Equívocos, contradições e injustiças
É a democracia, com suas fragilidades, regida por pragmatismos e apoiada em maiorias, que se esquece que servir o conjunto nacional não é o mesmo que responder a problemas individuais ou a pequenos grupos de cidadãos. Para estes, bem consideradas as suas razões, deve haver outro tipo de soluções, que não podem subverter o conjunto nacional, nem esquecer valores fundamentais a respeitar, promover e defender.
O que aconteceu, e agora está a acontecer de modo ampliado, é dizer ao país que as mulheres que desejam e querem abortar passam à frente de tudo e de todos, nos direitos legais da segurança social e da saúde e nas soluções rápidas e gratuitas para o seu problema. Dispõem mesmo de privilégios e atenções que se negam às mulheres deste país que querem ter filhos, tantas vezes vítimas de restrições no mundo do trabalho e com dificuldade de encontrar emprego por tal motivo, e a muitos cidadãos que esperam meses, senão mesmo anos, por cuidados médicos necessários, que surgem, não raramente, quando já não são precisos, porque o doente morreu. O aborto parece ser a grande prioridade do Ministério da Saúde e dos políticos que mandam no país.
Há, porém, flagrantes contradições. Um delas é que às mulheres, que a nova lei fez heroínas, se lhes nega agora o mais elementar direito de informação, que é permitir que vejam a ecografia do filho que trazem no seio, afim de clarificarem, até ao último momento, a sua decisão. Aos poderes governamentais parece interessar mais que elas não desistam, para que as estatísticas possam justificar uma lei, que já foi classificada de iníqua, dado que o seu único objectivo é matar um ser humano já gerado. Aqui se mostra a incapacidade política de se investir na procura de soluções eficazes e dignificantes, em que o maior de todos os valores humanos, a vida, não esteja à mercê de poderes públicos inquinados, de vontades que querem prazer sem responsabilidade, de interesses partidários, e, muito menos, de necessidades sociais sem resposta e de informação séria que nunca chegou. Coisas de que são vítimas mulheres mães, que nesta sociedade julgam não encontrar outra saída para a sua gravidez senão abortar.
Ficou bem claro, e os dados são públicos, podendo por isso verificar-se, que, praticamente, quase só a Igreja tem instituições em acção e iniciativas em curso, que visam uma protecção realista à procriação, às mães solteiras, às esposas espancadas, às grávidas tentadas a abortar. A todas se estende, a tempo, a mão amiga que lhes dá a felicidade ímpar de acolher, com alegria, o filho gerado, que já julgavam nunca poder ver. Não vi nem conheço iniciativas deste teor de grupos e partidos que lutaram pelo "sim" e agora controlam a regulamentação da lei. Quando se pretende fazer crer que o aborto é a libertação da mulher e não o admitir nem favorecer é farisaísmo e atitude anti democrática, está tudo dito.
A protecção ao aborto, que é o que está a acontecer, não tem qualquer sentido, num país em que a natalidade desce vertiginosamente e o deserto demográfico alastra. Loucamente, parece ser isto o que alguns pretendem.