O aborto: as razões e a vergonha
Passaram despercebidos dois artigos recentemente publicados pelo Prof. Mário Pinto no "Público", sob os títulos "O aborto: as razões e a vergonha" e "O célebre relatório Kissinger e a política internacional maltusiana".
Todavia, são provavelmente os textos mais importantes surgidos nestes últimos tempos entre nós a propósito destas questões.
Decidi por isso publicá-los aqui, num único post apesar da sua extensão, dado que constituem uma evidente unidade.
Aqui ficam à disposição de quem queira ler.
O aborto: as razões e a vergonha
1. As pessoas normais, e entre elas as pessoas cultas, honradas e de grande saber jurídico que, ao longo dos séculos, defenderam a punição dos crimes contra a vida, e entre elas a punição do crime de aborto, não o fizeram por ódio ou menosprezo dos criminosos, mas por censura e prevenção dos crimes. É um golpe baixo da propaganda ideológica e política a favor da legalização do aborto lançar agora a campanha de que a motivação da defesa daquela punição é ver as mulheres na cadeia. Só os Goebbels e os Estalines estão à altura de uma tal calúnia.
2. Sejamos sérios: a questão primacial, neste "crime ou não-crime", é evidentemente a vítima, é o bem protegido e a gravidade da ofensa. A responsabilidade do autor do dano é coisa consequente - a que, não obstante, é devida uma autonomia própria de tratamento jurídico. A imputação, responsabilização e punição do crime pode ter distinções e diferenças assinaláveis, como o direito comparado ilustra, mesmo dentro de uma mesma opção fundamental de criminalização.
3. A mim, o que mais me impressiona é a falta de argumentação dos defensores da liberalização do aborto, reduzida propagandisticamente ao argumento grosseiro da propriedade do corpo da mulher e aos riscos de saúde de quem comete o crime forçosamente na clandestinidade. Sempre o absoluto direito de propriedade a servir o egoísmo! E contudo, o aborto é primacialmente a questão da autonomia do filho. Será por isso que sobre o filho não gostam os abortistas de falar?
4. Ao longo de uma experiência de professor, confirmei que muitos jovens são a favor do aborto porque nunca pensaram e discutiram com profundidade sobre o assunto. Depois de lerem, pensarem e discutirem à vontade e durante todo o tempo desejado, mudam de opinião. Tinham uma opinião superficial. Assim como as águas superficiais se deslocam com o sopro do vento, assim a opinião superficial também se orienta com o sopro da propaganda. É o que se está passando com a opinião sobre liberalização do aborto.
5. Aliás, para evitar que as pessoas pensem, usa-se uma patente técnica propagandística, que recorre, entre outros truques, a (primeiro) fazer desaparecer o "corpo de delito", e (depois) a vitimizar o autor punido, reduzindo esta vitimização a um clamor de choque e de vergonha. Há dias, na apresentação da proposta do PS para o referendo do aborto, o líder da bancada partidária dizia, em entrevista televisiva, que era uma vergonha para Portugal não ter ainda uma lei que liberalizasse o aborto. Aí está, a vergonha sem outras razões. Só falta dizer: não pense, não discuta, nem veja; envergonhe-se.
6. Sim, nem veja. Esconder, fazer evaporar a vítima do crime, é tão importante que se faz tabu de mostrar as técnicas do aborto e os restos mortais do embrião, do feto abortado. Qualquer pessoa razoável poderá então interrogar-se: mas porque é que se não hão-de mostrar-se as técnicas do aborto? E até os embriões e bebés abortados? Mostrar honradamente o horror não é imoral; imoral é escondê-lo, como se fez nos campos de concentração nazis.
7. A proibição do aborto está lógica, moral e juridicamente inserida num instituto jurídico de que fazem parte deveres e direitos fundamentais - que sempre foram reconhecidos na cultura de raiz judeo-cristã a que pertencemos, se bem que muitas vezes de modo incipiente. Como é que então uma coisa tão sagrada e fundamental se transforma, hoje e de repente, em decisão arbitrária só da mulher grávida? Nem sequer, e solidariamente, também do homem pai...
8. Até aqui, o que o direito dizia à mulher grávida era que ela tinha o dever sagrado de respeitar e proteger a vida nela gerada. Talvez faltasse hoje reescrever (e isto é que seria um progresso do moderno Estado social): se toda a mulher tem o dever e o direito natural e fundamental de gestar e dar à luz o filho que nela foi gerado, então, e por seu lado, a sociedade e o Estado têm o dever de garantir à mulher e ao casal o cumprimento deste dever e a satisfação deste direito - e, sempre que necessário, o dever de se responsabilizarem (a sociedade e o Estado) pela criação do nascido.
9. Mas não, isto é que não. Falemos claro e duro. Propagandear (oficialmente, note-se) preservativos e pílulas abortivas para todos, isso sim; distribuir anticonceptivos e abortivos de graça para os adolescentes nas escolas públicas, isso sim; aborto lícito e gratuito no serviço nacional de saúde, isso sim; mas tomar conta de bebés de mães que os não podem ou não querem criar, isso não. Quanto mais drama, melhor: pois se nem sequer se aceita suspender a instância judicial para as mulheres que abortam... não quer isso dizer que se pretende manter o argumento único da vitimização da mulher que aborta para "forçar" a única saída da liberalização do aborto?
10. Interroguemo-nos. Mas de onde vem esta fúria tão primária e tão zangada? Nos idos de 1975-1976, no ambiente ideologicamente marcado pela exaltação das ideologias radicais em que fizemos a Constituição portuguesa, vão passados apenas trinta anos, não constavam da agenda política as ideias fracturantes que agora parecem uma obsessão para certos sectores ideológicos. E por isso não há traço nenhum destas questões na Constituição: nem qualquer dúvida sobre a criminalização do aborto, nem qualquer abertura para as uniões homossexuais, nada.
11. Perguntar-se-á: o que foi que sucedeu, de tão formidável, que provocou esta súbita revolução? Uma descoberta científica que mudou toda a ciência, assim como foi a descoberta do movimento da terra em volta do sol? Não. Uma nova teoria filosófica ou espiritual, defendida de forma tão convincente que fez caducar toda a anterior doutrina, assim como foi com o aparecimento do cristianismo? Não. Então o quê? Qual foi então a causa que, contra o cerne da concepção médica, humanista e espiritual do ocidente, lançou pelo mundo fora esta campanha sobre a bondade do aborto? A que se vêm juntando, paulatinamente, outras campanhas, como a das uniões homossexuais equiparadas ao casamento, a da simpatia pela "dignidade" da eutanásia, quem sabe se a da futura legitimação da selecção eugénica e práticas análogas.
12. Se não há mudança epocal por razão científica nem por razão filosófica ou religiosa, resta encontrar razões numa dramática mudança de mentalidade cultural, que realmente se verifica. Mas estas mudanças culturais são sempre mais lentas do que tem vindo a ser esta revolução. Haverá, portanto, algum outro poderoso factor, de ordem geopolítica.
13. E pode, efectivamente, identificar-se um factor político candidato a este papel detonador e propulsor desta nova era fracturante. Refiro-me ao célebre relatório Kissinger, precisamente de 1974, que esteve classificado durante 15 anos e, muito significativamente, não costuma constar dos destaques nem da imprensa nem da política, sobre "as implicações do crescimento da população mundial para a segurança dos Estados Unidos e para os seus interesses nas relações internacionais".
14. À revolução de mentalidade e de cultura, por um lado, e à globalizada campanha internacional contra o crescimento da população por razões de hegemonia geopolítica, por outro lado, valerá a pena dedicar futuras reflexões.
O célebre relatório Kissinger e a política internacional maltusiana
1.No meu último artigo, interroguei-me acerca das razões pelas quais um crime tão repugnante como o aborto, condenado pela consciência da nossa cultura civilizacional desde há dois milénios, sem discordâncias a não ser por parte das grandes ideologias totalitárias do século XX (nazismo e comunismo), se tornou, de repente, e sem novas razões doutrinais nem científicas, como algo de, não apenas lícito, mas até pretendidamente direito fundamental da mulher (só da mulher), decorrente da propriedade do seu corpo.
2. E cheguei à conclusão de que haveria, sem dúvida, uma explicação na mudança de cultura e das mentalidades. Mas, visto que as mudanças culturais, mesmo no nosso tempo acelerado, são mais lentas do que tem sido a reviravolta (ou revolução) do aborto, procurei o concurso de algum factor catalisador. E achei que esse factor foi e é a política maltusiana do ocidente próspero e egoísta, relançada pelo célebre relatório Kissinger. Esta tese, que não é original, encontra confirmação em factos significativos indesmentíveis e nas próprias intenções da política internacional dos últimos anos.
3. Sobre a «política de cultura» incidente na mudança de mentalidade, ficará para outra ocasião. Aliás, vai decorrer na Fundação Gulbenkian, de 25 a 27 deste mês, inserido nas comemorações do seu 50ª aniversário, um Colóquio como talvez só a Gulbenkian nos pudesse proporcionar, cujo tema geral é: "Que valores para este tempo?". Na apresentação deste colóquio, um claro texto do saudoso Fernando Gil, datado de 14 de Dezembro passado, diz-nos que (e cito do programa da Conferência) "parece oportuno interrogar-nos sobre o que se pode chamar, sem exagero, uma crise geral do sentido. Ela acha-se declarada nas várias declinações da temática do "fim", (...) do fim do sujeito (ou até do homem), da verdade (não só da "metafísica" mas das próprias ciências), da história ou da beleza. É significativo que estes termos recubram os sistemas de valores sobre os quais o Ocidente se construiu, a partir da herança grega e cristã. Platão designou-os por Verdadeiro, Belo e Bem..." (fim de citação).
4. Hoje, trago aqui algumas notas sobre a influente política internacional maltusiana que, desde há uns anos, se desdobra num largo leque de poderosas actuações e financiamentos com vista a limitar a natalidade e a população. É esta política que, procurando cumplicidades, organizadamente fornece estratégias e financiamentos que são evidentes em movimentos e grupos ideológicos activos nos vários países e em instâncias supranacionais.
5. Nos últimos anos da Administração Nixon, primeiros anos setenta, foi elaborado um estudo do Departamento de Estado que identificou o crescimento da população mundial como "um assunto da máxima importância» para os EE.UU", porque esse crescimento nos países em vias de desenvolvimento punha em perigo designadamente o acesso aos minerais e a outras matérias primas indispensáveis, constituindo uma ameaça à segurança económica e política. Qual era a solução? O controlo da população. Esse estudo deu origem a um célebre memorando de Kissinger, e este, por sua vez, a um memorando executivo da Administração americana que lançou a política internacional na corrida ao controlo da natalidade e da população. Assim, a bomba K (política Kissinger) opunha-se à bomba P (aumento da população mundial). Estes documentos estiveram reservados durante vários anos, mas podem agora consultar-se livremente.
6. Muitas das afirmações do referido estudo são verdadeiras prédicas maltusianas. Prevê-se, por exemplo, que as necessidades das populações dos países do terceiro mundo relativamente aos recursos naturais mundiais "causarão graves problemas que poderiam afectar os EE. UU. Por causa da necessidade de aumentar o apoio financeiro aos países em vias de desenvolvimento...", em relação com tratados comerciais com preços mais elevados para as suas exportações. Em certa altura, o documento faz referência ao custo do financiamento do desenvolvimento económico e calcula que seria muito mais "efectivo" usar esse financiamento para fins de controlo populacional.
7. O estudo sugere que se tente converter as populações dos países em protagonistas dos planos de acção, assegurando-lhes o acesso às tecnologias da contracepção. E assinala que "conflitos que à primeira vista são políticos, na realidade têm raízes demográficas"; e que "as acções revolucionárias e os golpes contra-revolucionários terminam por expropriar os interesses estrangeiros (...) e não são bons nem para esses interesses nem para os países onde ocorrem".Esta doutrina não foi inédita; foi sim um relançamento, mas desta vez com decisiva eficácia, da velha ideologia da segurança demográfica.
8. Direi que, de um ponto de vista de ética pessoal e social, penso que nada haveria a criticar se apenas se tratasse de apoiar uma respeitosa educação, e os meios que permitissem aos casais uma paternidade responsável. Porém, a política de restrição mundial da população pretendida pelo documento não se determina pelo desenvolvimento da responsabilidade pessoal e familiar; pretende sim, por razões de Estado, modificar os padrões sexuais e reprodutivos das pessoas e casais, diminuir o número de famílias, reduzir a dimensão das famílias, multiplicar o uso dos meios anticonceptivos e abortivos, dificultar a criação de filhos, aumentar a ocupação profissional das mulheres, em suma desligar a sexualidade da família e da procriação.
9. Esta política tem consciência de que rompe com as estruturas morais e éticas e não hesita em defender a ruptura das concepções de valores tradicionais. Não porque tenha uma concepção filosófica nova; mas porque só pretende, e a todo o custo, efeitos demográficos. E como a procriação tem que ver com os mecanismos da vida, essa política interesseira entra pelas questões das manipulações genéticas, sob um pretexto de "saúde reprodutiva".
10. A política maltusiana tem um aliado natural: a mentalidade irracionalista do hedonismo e do consumismo grosseiros. É como faca quente em manteiga. Para uma pretensa justificação, bastam slogans primitivos, com base em ideias primárias como a propriedade do corpo, um igualitarismo demagógico abstracto, o direito ao prazer sexual sem restrições, uma compaixão amoral das mulheres que abortam, uma comparação parola com os países ditos mais adiantados que já liberalizaram o aborto, etc.
11. Se algum dos meus leitores pensar que estou a ser injusto com as suas bem intencionadas concepções pessoais, dir-lhe-ei que não pretendo ofender nenhuma concepção séria, filosófica ou ética, em matéria de sexualidade ou procriação. Pelo contrário, estou disposto a dialogar respeitosamente com todas. Coisa diferente é a propaganda simplista e repetitiva com que todos os dias nos bombardeiam nos média. O que é necessário é levantar a suspeita das intenções das políticas de controlo internacional da natalidade e da população, que, por razões geoestratégicas egoístas, manipulam as opiniões e as mudanças legislativas. As tais que nos querem apresentar como exemplo de avanço e de progresso - atrasadinhos que nós somos...
Todavia, são provavelmente os textos mais importantes surgidos nestes últimos tempos entre nós a propósito destas questões.
Decidi por isso publicá-los aqui, num único post apesar da sua extensão, dado que constituem uma evidente unidade.
Aqui ficam à disposição de quem queira ler.
O aborto: as razões e a vergonha
1. As pessoas normais, e entre elas as pessoas cultas, honradas e de grande saber jurídico que, ao longo dos séculos, defenderam a punição dos crimes contra a vida, e entre elas a punição do crime de aborto, não o fizeram por ódio ou menosprezo dos criminosos, mas por censura e prevenção dos crimes. É um golpe baixo da propaganda ideológica e política a favor da legalização do aborto lançar agora a campanha de que a motivação da defesa daquela punição é ver as mulheres na cadeia. Só os Goebbels e os Estalines estão à altura de uma tal calúnia.
2. Sejamos sérios: a questão primacial, neste "crime ou não-crime", é evidentemente a vítima, é o bem protegido e a gravidade da ofensa. A responsabilidade do autor do dano é coisa consequente - a que, não obstante, é devida uma autonomia própria de tratamento jurídico. A imputação, responsabilização e punição do crime pode ter distinções e diferenças assinaláveis, como o direito comparado ilustra, mesmo dentro de uma mesma opção fundamental de criminalização.
3. A mim, o que mais me impressiona é a falta de argumentação dos defensores da liberalização do aborto, reduzida propagandisticamente ao argumento grosseiro da propriedade do corpo da mulher e aos riscos de saúde de quem comete o crime forçosamente na clandestinidade. Sempre o absoluto direito de propriedade a servir o egoísmo! E contudo, o aborto é primacialmente a questão da autonomia do filho. Será por isso que sobre o filho não gostam os abortistas de falar?
4. Ao longo de uma experiência de professor, confirmei que muitos jovens são a favor do aborto porque nunca pensaram e discutiram com profundidade sobre o assunto. Depois de lerem, pensarem e discutirem à vontade e durante todo o tempo desejado, mudam de opinião. Tinham uma opinião superficial. Assim como as águas superficiais se deslocam com o sopro do vento, assim a opinião superficial também se orienta com o sopro da propaganda. É o que se está passando com a opinião sobre liberalização do aborto.
5. Aliás, para evitar que as pessoas pensem, usa-se uma patente técnica propagandística, que recorre, entre outros truques, a (primeiro) fazer desaparecer o "corpo de delito", e (depois) a vitimizar o autor punido, reduzindo esta vitimização a um clamor de choque e de vergonha. Há dias, na apresentação da proposta do PS para o referendo do aborto, o líder da bancada partidária dizia, em entrevista televisiva, que era uma vergonha para Portugal não ter ainda uma lei que liberalizasse o aborto. Aí está, a vergonha sem outras razões. Só falta dizer: não pense, não discuta, nem veja; envergonhe-se.
6. Sim, nem veja. Esconder, fazer evaporar a vítima do crime, é tão importante que se faz tabu de mostrar as técnicas do aborto e os restos mortais do embrião, do feto abortado. Qualquer pessoa razoável poderá então interrogar-se: mas porque é que se não hão-de mostrar-se as técnicas do aborto? E até os embriões e bebés abortados? Mostrar honradamente o horror não é imoral; imoral é escondê-lo, como se fez nos campos de concentração nazis.
7. A proibição do aborto está lógica, moral e juridicamente inserida num instituto jurídico de que fazem parte deveres e direitos fundamentais - que sempre foram reconhecidos na cultura de raiz judeo-cristã a que pertencemos, se bem que muitas vezes de modo incipiente. Como é que então uma coisa tão sagrada e fundamental se transforma, hoje e de repente, em decisão arbitrária só da mulher grávida? Nem sequer, e solidariamente, também do homem pai...
8. Até aqui, o que o direito dizia à mulher grávida era que ela tinha o dever sagrado de respeitar e proteger a vida nela gerada. Talvez faltasse hoje reescrever (e isto é que seria um progresso do moderno Estado social): se toda a mulher tem o dever e o direito natural e fundamental de gestar e dar à luz o filho que nela foi gerado, então, e por seu lado, a sociedade e o Estado têm o dever de garantir à mulher e ao casal o cumprimento deste dever e a satisfação deste direito - e, sempre que necessário, o dever de se responsabilizarem (a sociedade e o Estado) pela criação do nascido.
9. Mas não, isto é que não. Falemos claro e duro. Propagandear (oficialmente, note-se) preservativos e pílulas abortivas para todos, isso sim; distribuir anticonceptivos e abortivos de graça para os adolescentes nas escolas públicas, isso sim; aborto lícito e gratuito no serviço nacional de saúde, isso sim; mas tomar conta de bebés de mães que os não podem ou não querem criar, isso não. Quanto mais drama, melhor: pois se nem sequer se aceita suspender a instância judicial para as mulheres que abortam... não quer isso dizer que se pretende manter o argumento único da vitimização da mulher que aborta para "forçar" a única saída da liberalização do aborto?
10. Interroguemo-nos. Mas de onde vem esta fúria tão primária e tão zangada? Nos idos de 1975-1976, no ambiente ideologicamente marcado pela exaltação das ideologias radicais em que fizemos a Constituição portuguesa, vão passados apenas trinta anos, não constavam da agenda política as ideias fracturantes que agora parecem uma obsessão para certos sectores ideológicos. E por isso não há traço nenhum destas questões na Constituição: nem qualquer dúvida sobre a criminalização do aborto, nem qualquer abertura para as uniões homossexuais, nada.
11. Perguntar-se-á: o que foi que sucedeu, de tão formidável, que provocou esta súbita revolução? Uma descoberta científica que mudou toda a ciência, assim como foi a descoberta do movimento da terra em volta do sol? Não. Uma nova teoria filosófica ou espiritual, defendida de forma tão convincente que fez caducar toda a anterior doutrina, assim como foi com o aparecimento do cristianismo? Não. Então o quê? Qual foi então a causa que, contra o cerne da concepção médica, humanista e espiritual do ocidente, lançou pelo mundo fora esta campanha sobre a bondade do aborto? A que se vêm juntando, paulatinamente, outras campanhas, como a das uniões homossexuais equiparadas ao casamento, a da simpatia pela "dignidade" da eutanásia, quem sabe se a da futura legitimação da selecção eugénica e práticas análogas.
12. Se não há mudança epocal por razão científica nem por razão filosófica ou religiosa, resta encontrar razões numa dramática mudança de mentalidade cultural, que realmente se verifica. Mas estas mudanças culturais são sempre mais lentas do que tem vindo a ser esta revolução. Haverá, portanto, algum outro poderoso factor, de ordem geopolítica.
13. E pode, efectivamente, identificar-se um factor político candidato a este papel detonador e propulsor desta nova era fracturante. Refiro-me ao célebre relatório Kissinger, precisamente de 1974, que esteve classificado durante 15 anos e, muito significativamente, não costuma constar dos destaques nem da imprensa nem da política, sobre "as implicações do crescimento da população mundial para a segurança dos Estados Unidos e para os seus interesses nas relações internacionais".
14. À revolução de mentalidade e de cultura, por um lado, e à globalizada campanha internacional contra o crescimento da população por razões de hegemonia geopolítica, por outro lado, valerá a pena dedicar futuras reflexões.
O célebre relatório Kissinger e a política internacional maltusiana
1.No meu último artigo, interroguei-me acerca das razões pelas quais um crime tão repugnante como o aborto, condenado pela consciência da nossa cultura civilizacional desde há dois milénios, sem discordâncias a não ser por parte das grandes ideologias totalitárias do século XX (nazismo e comunismo), se tornou, de repente, e sem novas razões doutrinais nem científicas, como algo de, não apenas lícito, mas até pretendidamente direito fundamental da mulher (só da mulher), decorrente da propriedade do seu corpo.
2. E cheguei à conclusão de que haveria, sem dúvida, uma explicação na mudança de cultura e das mentalidades. Mas, visto que as mudanças culturais, mesmo no nosso tempo acelerado, são mais lentas do que tem sido a reviravolta (ou revolução) do aborto, procurei o concurso de algum factor catalisador. E achei que esse factor foi e é a política maltusiana do ocidente próspero e egoísta, relançada pelo célebre relatório Kissinger. Esta tese, que não é original, encontra confirmação em factos significativos indesmentíveis e nas próprias intenções da política internacional dos últimos anos.
3. Sobre a «política de cultura» incidente na mudança de mentalidade, ficará para outra ocasião. Aliás, vai decorrer na Fundação Gulbenkian, de 25 a 27 deste mês, inserido nas comemorações do seu 50ª aniversário, um Colóquio como talvez só a Gulbenkian nos pudesse proporcionar, cujo tema geral é: "Que valores para este tempo?". Na apresentação deste colóquio, um claro texto do saudoso Fernando Gil, datado de 14 de Dezembro passado, diz-nos que (e cito do programa da Conferência) "parece oportuno interrogar-nos sobre o que se pode chamar, sem exagero, uma crise geral do sentido. Ela acha-se declarada nas várias declinações da temática do "fim", (...) do fim do sujeito (ou até do homem), da verdade (não só da "metafísica" mas das próprias ciências), da história ou da beleza. É significativo que estes termos recubram os sistemas de valores sobre os quais o Ocidente se construiu, a partir da herança grega e cristã. Platão designou-os por Verdadeiro, Belo e Bem..." (fim de citação).
4. Hoje, trago aqui algumas notas sobre a influente política internacional maltusiana que, desde há uns anos, se desdobra num largo leque de poderosas actuações e financiamentos com vista a limitar a natalidade e a população. É esta política que, procurando cumplicidades, organizadamente fornece estratégias e financiamentos que são evidentes em movimentos e grupos ideológicos activos nos vários países e em instâncias supranacionais.
5. Nos últimos anos da Administração Nixon, primeiros anos setenta, foi elaborado um estudo do Departamento de Estado que identificou o crescimento da população mundial como "um assunto da máxima importância» para os EE.UU", porque esse crescimento nos países em vias de desenvolvimento punha em perigo designadamente o acesso aos minerais e a outras matérias primas indispensáveis, constituindo uma ameaça à segurança económica e política. Qual era a solução? O controlo da população. Esse estudo deu origem a um célebre memorando de Kissinger, e este, por sua vez, a um memorando executivo da Administração americana que lançou a política internacional na corrida ao controlo da natalidade e da população. Assim, a bomba K (política Kissinger) opunha-se à bomba P (aumento da população mundial). Estes documentos estiveram reservados durante vários anos, mas podem agora consultar-se livremente.
6. Muitas das afirmações do referido estudo são verdadeiras prédicas maltusianas. Prevê-se, por exemplo, que as necessidades das populações dos países do terceiro mundo relativamente aos recursos naturais mundiais "causarão graves problemas que poderiam afectar os EE. UU. Por causa da necessidade de aumentar o apoio financeiro aos países em vias de desenvolvimento...", em relação com tratados comerciais com preços mais elevados para as suas exportações. Em certa altura, o documento faz referência ao custo do financiamento do desenvolvimento económico e calcula que seria muito mais "efectivo" usar esse financiamento para fins de controlo populacional.
7. O estudo sugere que se tente converter as populações dos países em protagonistas dos planos de acção, assegurando-lhes o acesso às tecnologias da contracepção. E assinala que "conflitos que à primeira vista são políticos, na realidade têm raízes demográficas"; e que "as acções revolucionárias e os golpes contra-revolucionários terminam por expropriar os interesses estrangeiros (...) e não são bons nem para esses interesses nem para os países onde ocorrem".Esta doutrina não foi inédita; foi sim um relançamento, mas desta vez com decisiva eficácia, da velha ideologia da segurança demográfica.
8. Direi que, de um ponto de vista de ética pessoal e social, penso que nada haveria a criticar se apenas se tratasse de apoiar uma respeitosa educação, e os meios que permitissem aos casais uma paternidade responsável. Porém, a política de restrição mundial da população pretendida pelo documento não se determina pelo desenvolvimento da responsabilidade pessoal e familiar; pretende sim, por razões de Estado, modificar os padrões sexuais e reprodutivos das pessoas e casais, diminuir o número de famílias, reduzir a dimensão das famílias, multiplicar o uso dos meios anticonceptivos e abortivos, dificultar a criação de filhos, aumentar a ocupação profissional das mulheres, em suma desligar a sexualidade da família e da procriação.
9. Esta política tem consciência de que rompe com as estruturas morais e éticas e não hesita em defender a ruptura das concepções de valores tradicionais. Não porque tenha uma concepção filosófica nova; mas porque só pretende, e a todo o custo, efeitos demográficos. E como a procriação tem que ver com os mecanismos da vida, essa política interesseira entra pelas questões das manipulações genéticas, sob um pretexto de "saúde reprodutiva".
10. A política maltusiana tem um aliado natural: a mentalidade irracionalista do hedonismo e do consumismo grosseiros. É como faca quente em manteiga. Para uma pretensa justificação, bastam slogans primitivos, com base em ideias primárias como a propriedade do corpo, um igualitarismo demagógico abstracto, o direito ao prazer sexual sem restrições, uma compaixão amoral das mulheres que abortam, uma comparação parola com os países ditos mais adiantados que já liberalizaram o aborto, etc.
11. Se algum dos meus leitores pensar que estou a ser injusto com as suas bem intencionadas concepções pessoais, dir-lhe-ei que não pretendo ofender nenhuma concepção séria, filosófica ou ética, em matéria de sexualidade ou procriação. Pelo contrário, estou disposto a dialogar respeitosamente com todas. Coisa diferente é a propaganda simplista e repetitiva com que todos os dias nos bombardeiam nos média. O que é necessário é levantar a suspeita das intenções das políticas de controlo internacional da natalidade e da população, que, por razões geoestratégicas egoístas, manipulam as opiniões e as mudanças legislativas. As tais que nos querem apresentar como exemplo de avanço e de progresso - atrasadinhos que nós somos...
7 Comentários:
Cito:
"...11. Se algum dos meus leitores pensar que estou a ser injusto com as suas bem intencionadas concepções pessoais, dir-lhe-ei que não pretendo ofender nenhuma concepção séria, filosófica ou ética, em matéria de sexualidade ou procriação. Pelo contrário, estou disposto a dialogar respeitosamente com todas. Coisa diferente é a propaganda simplista e repetitiva com que todos os dias nos bombardeiam nos média. O que é necessário é levantar a suspeita das intenções das políticas de controlo internacional da natalidade e da população, que, por razões geoestratégicas egoístas, manipulam as opiniões e as mudanças legislativas. As tais que nos querem apresentar como exemplo de avanço e de progresso - atrasadinhos que nós somos..."
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Na verdade, somos atrasadinhos MAS:
em que sentido?
no do não
ou
no do sim?
APAGÃO EUROPEU (ontem à noite)
Portugal foi um dos países europeus afectados por um corte no fornecimento de electricidade provocado por uma avaria na rede alemã. A interrupção, que nada teve a ver com o mau tempo no país, ocorreu às 21h10 de Lisboa e às 21h25 o serviço foi reposto, cabendo à EDP - Distribuição o processo de religação dos clientes afectados.
O corte no fornecimento de energia em várias zonas de Lisboa e arredores prolongou-se por quase uma hora.
Fonte da EDP Distribuição disse à agência Lusa que as suas instalações sofreram um corte de energia cerca das 21h15, que afectou em Lisboa as zonas de Chelas, Entrecampos e Olivais, bem como a Linha do Estoril, incluindo Carcavelos e Cascais, onde só depois das 22h00 regressou a luz.
O litoral centro do país também foi afectado, mas o fornecimento foi reposto às 21h30, enquanto no Norte a energia "voltou" às 21h50.
O disparo em série nas redes europeias, afectando nomeadamente a Alemanha, Itália, França, Espanha e Portugal, conseguiu evitar "um apagão generalizado em toda a Europa", segundo a REN.
A interrupção no fornecimento de energia teve origem numa avaria na zona da Renânia do Norte e Vestefália, na rede alemã, propagando-se a várias zonas da Itália e França, onde afectou cerca de cinco milhões de habitantes, cerca de 10 por cento da população, interrompendo mesmo a circulação dos comboios de alta velocidade.
As causas do sucedido vão ser agora analisadas mas só nos próximos dias poderá haver conclusões.
Interrupção do corte de energia: Interrupção! porque passado um quarto de hora ela voltou! chamou-se interrupção! porque se vai chamar a um aborto interrupção?
no wikicionário, interromper:
fazer parar por algum tempo,
romper ou suspender a continuidade de,
http://pt.wiktionary.org/wiki/interromper
"chamou-se interrupção! porque se vai chamar a um aborto interrupção?"
fazer parar por algum tempo,
romper ou suspender a continuidade de.
E não é que houve mesmo apagão?
irredutível, uma coisa é uma interrupção (sem garantia ou certeza de retornar posteriormente a acção) outra coisa é um intervalo (com garantia de retorno à acção).
não é difícil de perceber, meu animal de presépio
edite não vale a pena...como o proprio diz...é produto deste sistema de ensino..embora eu ache que devia era ter levado uns bons pares de estalos quando era mais novo...
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