quinta-feira, novembro 16, 2006

Nota Sumária Sobre a Constituição e o Aborto



Um artigo excelente que explica a inconstitucionalidade da alteração que vai ser proposta em referendo:

Inabalavelmente, as próprias opções de organização sistemática e letra do Código Penal Português reconduzem-nos ao núcleo essencial da problemática abortiva: TÍTULO I (“Dos crimes contra as pessoas”) - CAPÍTULO I (“Dos crimes contra a vida”) - CAPÍTULO II “Dos crimes contra a vida intra-uterina” (artigos 140º e seguintes).Por mais voltas que se dêem, e infelizmente dão-se, o fundo da discussão reside materialmente nisto: o aborto é uma questão de vida e de morte e é um acto que contende com a vida, este contender com entendido como algo que briga e se contrapõe à vida.Na perspectiva estritamente jurídica do aborto, por seu turno, tem-se discutido essencialmente o plano da definição e da fixação dos limites legais do - muito cruamente e sem margem para qualquer polémica semântica -, deixar matar ou do deixar tirar a vida (o plano do elenco das causas de exclusão da ilicitude do acto de privar de vida o feto).Neste enfoque jurídico assume, portanto, absoluta candência, como é óbvio, a abordagem constitucional.Contudo, deve alinhar-se uma anotação fundamental sobre a lei constitucional Portuguesa (CRP): nem por ser a primeira das leis da República, a CRP deixa de ser uma lei como as demais, visto que todas são fruto da congeminação e elaboração humanas e reflexo específico de uma determinada opção (num determinado momento histórico) sócio - político – ideológica. Ou seja, como toda a norma humana, uma constituição também é algo de temporário e de politicamente contingente – não é um absoluto ou uma verdade prima, soberana e ilimitada; bem pelo contrário.A este propósito, nunca é demais relembrar que no ano de 1857 o Supremo Tribunal dos EUA decretou por uma maioria de 7 votos contra 2 que os escravos, legalmente, não eram pessoas e portanto estavam privados de protecção Constitucional ! Ora, o artigo 9.º/b) da CPR (Tarefas Fundamentais do Estado), estabelece que é uma tarefa fundamental do Estado garantir os direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos princípios do Estado de direito democrático. Daqueles, avulta muito especialmente o direito à vida. Pese embora o acima exposto sobre a contingência do preceito constitucional – ou até talvez para debelar esse “vício” congénito de toda a norma - o certo é que não há margem para qualquer dúvida quanto ao facto de que na sua letra a CRP acolheu – e muito bem tendo em conta o seu carismático ideário preambular e os seus princípios mais fundamentais (cfr. art. 1.º) -, o que se poderá designar como um conceito amplo do direito à vida:- Artigo 24.º (Direito à vida): 1. A vida humana é inviolável.2. Em caso algum haverá pena de morte.Assim, portanto, pode dizer-se que o direito à vida abrange o direito de não ser privado da vida, o direito à protecção e ao auxílio contra a ameaça feita à vida ou o perigo de morte, o direito à sobrevivência, o direito a viver com dignidade (v.g., o direito ao trabalho, o direito à protecção social, o direito à habitação). Mais, deve anotar-se o seguinte elemento essencial: a letra da lei constitucional consigna que “A vida humana é inviolável..”, e não que a vida humana só é inviolável depois do nascimento!Refira-se, a este propósito, que a lei civil (CAPÍTULO II -Vigência, interpretação e aplicação das leis – artigo 9/1 e 2) dispõe que “A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo” (...) e que (...) “Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.Ora, sobre a questão da protecção da vida intra-uterina dizem-nos os insuspeitos Gomes Canotilho e Vital Moreira, na sua Constituição da República Portuguesa anotada (2ªed., revista e ampliada, Editora,1984, 1º vol, pág.191):“(...) Enquanto bem ou valor constitucionalmente protegido, o conceito constitucional de vida humana parece abranger, não apenas a vida das pessoas, mas também a vida pré-natal, ainda não investida numa pessoa, a vida intra-uterina (independentemente do momento em que se entenda que esta tem início).”E acrescentam os mesmos autores: “É seguro, porém, que: a) o regime de protecção da vida humana, enquanto simples bem constitucionalmente, não é o mesmo que o do direito à vida, enquanto direito fundamental das pessoas, no que respeita à colisão com outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (v.g., vida, saúde, dignidade, liberdade da mulher); b) a protecção da vida intra-uterina não tem que ser idêntica em todas as fases do seu desenvolvimento, desde a formação do zigoto até ao nascimento; c) os meios de protecção do direito à vida – designadamente os instrumentos penais – podem mostrar-se inadequados ou excessivos quando se trate da protecção da vida intra-uterina.(...)”Deste modo, mas simplesmente no plano da mera tese interpretativa restritiva da CRP feita por aqueles ilustres autores (nem por isso autêntica) – que é isso do que se trata -, o direito à vida parece que assume (ou deve assumir), no plano da sua protecção pelo Estado, contornos essencialmente diferentes consoante se trate de uma vida antes do nascimento ou de uma vida depois desse nascimento ocorrer.E está bem de ver que, no plano operativo, i.e., no da formulação e da aplicação prática das leis de protecção à vida essa asserção é obviamente correcta: uma coisa é a vida antes do nascimento, outra, a vida depois do nascimento, no que tem de determinante no plano da definição quanto à questão da protecção do direito à vida, do tipo de políticas, na escolha dos instrumentos de prevenção e de actuação dos órgãos e departamento do Estado, v.g., assistenciais, judiciais e penais, etc.Todavia, no sumário daquela tese, onde parece se estribam muitas das demais credoras dos mais recentes enfoques liberalizadores e descriminilizadores do aborto, não se atende por nenhum modo aos seus obstáculo e antídoto material mais absolutamente incontornáveis que são, aliás, o corolário do aspecto mais indefeso e menos defendido, mas o mais absolutamente defensável, do mesmo direito à vida: O DIREITO À VIDA COMO DIREITO A NASCER OU DIREITO AO NASCIMENTO.Nesta perspectiva, é seguramente óbvio, como antecedente lógico do direito à vida enquanto o citado direito fundamental das pessoas já nascidas (porque puderam ter nascido), que esse mesmo direito só é verdadeira e integralmente protegido se se alargar em formas preli-minares – designadamente penais -, de protecção da vida intra-uterina em todas as fases do seu desenvolvimento, desde a formação do zigoto até ao nascimento, pois que só assim teremos a hipótese das pessoas e das suas vidas enquanto objecto dessa protecção... – inde-pendentemente, por exemplo, da questão jurídica e operativa da contabilização do “tempus” da aquisição da personalidade jurídica e da susceptibilidade de se ser titular de direitos e obrigações.Afinal, tudo o mais que restrinja este entendimento é pura hermenêutica ou tese interpretativa, que, afinal, não tem na letra da lei constitucional um mínimo de cor-respondência, e que consagra a ditadura dos já nascidos sobre o destino (infeliz) dos que por esses são condenados a morrer ainda antes de terem nascido!
Miguel Alvim > Advogado in Boletim da Ordem dos Advogados N40, Jan Fev 2006

11 Comentários:

Anonymous Anónimo escreveu...

Porque usam a imagem de um feto de nove meses?

11/16/2006 11:36:00 da tarde  
Anonymous Anónimo escreveu...

Manda ai uma foto tua.

11/17/2006 02:23:00 da tarde  
Blogger Bernardo Pinto Coelho escreveu...

A minha foto é irrelevante. A mim não me abortaram!

11/17/2006 03:30:00 da tarde  
Anonymous Anónimo escreveu...

Mas és um grande aborto.

11/17/2006 03:46:00 da tarde  
Blogger Bernardo Pinto Coelho escreveu...

É pena escrever cobardemente de forma anónima.

11/17/2006 03:50:00 da tarde  
Anonymous Anónimo escreveu...

Eu sou um cobarde anonimo, tu és um aborto conhecido.

11/17/2006 05:36:00 da tarde  
Blogger Irredutível escreveu...

Já o meu pai dizia: antes um bebado conhecido que um alcoólico anónimo...

11/17/2006 05:52:00 da tarde  
Blogger Bernardo Pinto Coelho escreveu...

Admitir a cobardia nao te torna menos cobarde tornana-te um cobarde assumido, ja eu nao assumo disparate nenhum que escreves aí.
Ter medo de dar a cara e ter medo do que se escreve.

11/17/2006 08:27:00 da tarde  
Anonymous Anónimo escreveu...

Caro irredutível,

Estive a ler o seu perfil. Fiquei contente que seja feliz, nao se percebe é porque é que então tem ideias de mudança tão radicais, mas bom, não é isso que me leva a interpelá-lo. Para o fazer ainda mais feliz (controlei-me e não o alertei para que naõ se alegre em em demasia para a preservação das crianças em potência) aviso-o que a primeira letra de "inigmático", deveria ser um "e"

11/21/2006 06:16:00 da tarde  
Anonymous Anónimo escreveu...

Acedo como anónimo por facilidade de comunicação, mas estou em
http://filosorfico.blogspot.com
Apoio o NÃO.
Não ligue a essa canalhada insultuosa.É a melhor propaganda contra o Sim...

11/24/2006 12:46:00 da manhã  
Anonymous Anónimo escreveu...

És contra o aborto? OK!! Então não abortes !

11/29/2006 03:11:00 da tarde  

Enviar um comentário

<< Entrada