O ABORTO É JURIDICAMENTE ILEGÍTIMO
(um artigo do Prof. Mário Bigotte Chorão)
Socialistas e comunistas querem agora ampliar as facilidades legais à prática do aborto. Reclama-se mesmo que a decisão de abortar seja deixada inteiramente ao arbítrio da mulher grávida, durante um período largo da gestação. Defende-se a liberalização do aborto e o direito a abortar. A favor desta causa, desencadeou-se já uma intensa campanha de manipulação da opinião pública, com recurso a fortes doses de argumentação sofística.
É, por isso, oportuno lembrar alguns princípios elementares da bioética, do biodireito e da biopolítica, que não podem deixar de considerar-se parte integrante de uma concepção substantiva de Estado de Direito e da tábua de valores da democracia autêntica. Passo a enunciá-los em apertada síntese:
1. Segundo os dados da ciência embriológica, o fruto da procriação humana é, desde a fecundação (zigoto), um novo indivíduo da espécie humana.
2. Este ser humano embrionário — revela-o, por sua vez, a reflexão filosófica — é uma pessoa (indivíduo subsistente, racional e livre, único e irrepetível). À luz da razão e da fé, podemos aperceber-nos da eminente dignidade da pessoa, que pertence por igual a todos e cada um dos homens, independentemente das suas condições físicas e psíquicas (princípio da igual dignidade). A pessoa humana tem valor de fim, não sendo legítimo reduzi-la a simples meio ou tratá-la como mera coisa (princípio personalista).
3. Quem é pessoa, em sentido natural ou ontológico, é também, necessariamente, pessoa jurídica, ou seja, sujeito de direitos, sobretudo daqueles que respeitam aos bens essenciais do “homem enquanto homem” — os direitos naturais ou direitos humanos.
4. Compete à ordem jurídica e política reconhecer e tutelar eficazmente esses direitos, a começar pelo direito à vida, como garantia da realização da justiça (o respeito dos direitos de cada um) e do bem comum (as condições sociais propícias ao pleno desenvolvimento das pessoas). A proibição de matar (os seres humanos inocentes) é um imperativo moral absoluto de que a lei civil tem de se fazer eco. A Constituição de 1976 reconhece o direito à vida como direito fundamental, decretando a inviolabilidade da vida humana, sem distinguir entre vida natal e pré-natal. Por seu turno, o Código Penal pune o crime de homicídio.
5. Objectvamente, o aborto provocado (morte, causada directa ou deliberadamente, do ser humano embrionário) é um homicídio, e particularmente grave, por atentar contra a vida de seres humanos inocentes e indefesos. Apesar disso, o ordenamento jurídico português, em 1984, contrariando o direito fundamental à vida, passou a admitir, sob protecção da lei, certas formas de prática abortiva. É essa protecção que agora se pretende alargar.
6. O recurso ao aborto provocado não é questão do puro foro íntimo da consciência individual, mas problema de transcendência social, que importa sobremaneira à ordem jurídica e política, pelas profundas repercussões que tem do ponto de vista da justiça e do bem comum. O Estado não pode “privatizar” esta realidade e adoptar perante ela o lema “laissez faire, laissez passer”.
7. Abandonar a vida dos nascituros à liberdade de disposição de outras pessoas equivale a instrumentalizar esses seres humanos a conveniências e critérios alheios e traduz-se numa violação grosseiramente discriminatória do princípio da igual dignidade de todos os homens.
8. Não há nenhuma razão susceptível de legitimar a morte intencional e directa do feto. E não basta a eventual bondade de intenções (v.g. preservar a saúde ou a vida da mãe) para sanar a ilicitude do acto intrinsecamente mau do aborto provocado: o fim não justifica os meios.
9. Repugna especialmente admitir que o ser humano em gestação possa ser sacrificado, segundo uma lógica utilitarista e voluntarista, ao bem-estar e ao desejo dos progenitores.
10. A lei permissiva que consente e favorece a prática do aborto é ilegítima, mesmo se dotada de validade formal: nem tudo o que é legal é legítimo (v.g. a legislação anti-semita de Hitler, a repressão legal dos dissidentes na União Soviética). Não é, sequer, verdadeira lei (regra de justiça e prescrição racional para o bem comum), mas corrupção da lei e violência. Clamorosamente injusta, não obriga moralmente, contra ela se justificando, além de outras formas de resistência, a invocação da objecção de consciência. Esta é um direito e um dever fundamental, constitucionalmente consagrado, que pertence não só aos profissionais da saúde chamados a intervir em actos abortivos, mas também aos políticos que participam no processo de feitura da lei. Desse firme respeito pela consciência e pela lei moral deu um testemunho singularmente exemplar o Rei Balduíno, recusando-se a promulgar a legislação belga despenalizadora do aborto.
11. Os cidadãos que queiram manter-se fiéis a esta carta de princípios em defesa da vida e da dignidade da pessoa não poderão dar o seu apoio a partidos e políticos permissivos em matéria de aborto.
12. É com princípios racionais como estes, radicados na verdade das coisas, e não com movimentos passionais de opinião e votações imponderáveis, que se deve tratar a problemática do aborto. Eles rejeitam tanto a resposta permissiva (abortismo permissivo) como a resposta puramente repressiva (anti-abortismo repressivo), preconizando antes soluções fundamentadas em critérios de justiça, de equidade e de bem comum (anti-abortismo humanista). Este último caminho pertence à cultura da vida e repudia terminantemente as facilidades abortivas concedidas pelo Estado. Crê firmemente que, sobre os tristes despojos dos fetos abortados e a angústia das pobres mães abortadeiras, jamais se poderá edificar solidamente a cidade dos homens. Afastando-se de posições de rígido legalismo condenatório (“dura lex, sed lex”), a opção humanista empenha-se em prevenir o mal do aborto, ajudar as famílias, apoiar as mulheres grávidas, promover a paternidade responsável, proteger os diminuídos, incentivar a adopção, aperfeiçoar o estatuto do nascituro, estimular o acolhimento do dom da vida.
(30 de Outubro de 1996)
Socialistas e comunistas querem agora ampliar as facilidades legais à prática do aborto. Reclama-se mesmo que a decisão de abortar seja deixada inteiramente ao arbítrio da mulher grávida, durante um período largo da gestação. Defende-se a liberalização do aborto e o direito a abortar. A favor desta causa, desencadeou-se já uma intensa campanha de manipulação da opinião pública, com recurso a fortes doses de argumentação sofística.
É, por isso, oportuno lembrar alguns princípios elementares da bioética, do biodireito e da biopolítica, que não podem deixar de considerar-se parte integrante de uma concepção substantiva de Estado de Direito e da tábua de valores da democracia autêntica. Passo a enunciá-los em apertada síntese:
1. Segundo os dados da ciência embriológica, o fruto da procriação humana é, desde a fecundação (zigoto), um novo indivíduo da espécie humana.
2. Este ser humano embrionário — revela-o, por sua vez, a reflexão filosófica — é uma pessoa (indivíduo subsistente, racional e livre, único e irrepetível). À luz da razão e da fé, podemos aperceber-nos da eminente dignidade da pessoa, que pertence por igual a todos e cada um dos homens, independentemente das suas condições físicas e psíquicas (princípio da igual dignidade). A pessoa humana tem valor de fim, não sendo legítimo reduzi-la a simples meio ou tratá-la como mera coisa (princípio personalista).
3. Quem é pessoa, em sentido natural ou ontológico, é também, necessariamente, pessoa jurídica, ou seja, sujeito de direitos, sobretudo daqueles que respeitam aos bens essenciais do “homem enquanto homem” — os direitos naturais ou direitos humanos.
4. Compete à ordem jurídica e política reconhecer e tutelar eficazmente esses direitos, a começar pelo direito à vida, como garantia da realização da justiça (o respeito dos direitos de cada um) e do bem comum (as condições sociais propícias ao pleno desenvolvimento das pessoas). A proibição de matar (os seres humanos inocentes) é um imperativo moral absoluto de que a lei civil tem de se fazer eco. A Constituição de 1976 reconhece o direito à vida como direito fundamental, decretando a inviolabilidade da vida humana, sem distinguir entre vida natal e pré-natal. Por seu turno, o Código Penal pune o crime de homicídio.
5. Objectvamente, o aborto provocado (morte, causada directa ou deliberadamente, do ser humano embrionário) é um homicídio, e particularmente grave, por atentar contra a vida de seres humanos inocentes e indefesos. Apesar disso, o ordenamento jurídico português, em 1984, contrariando o direito fundamental à vida, passou a admitir, sob protecção da lei, certas formas de prática abortiva. É essa protecção que agora se pretende alargar.
6. O recurso ao aborto provocado não é questão do puro foro íntimo da consciência individual, mas problema de transcendência social, que importa sobremaneira à ordem jurídica e política, pelas profundas repercussões que tem do ponto de vista da justiça e do bem comum. O Estado não pode “privatizar” esta realidade e adoptar perante ela o lema “laissez faire, laissez passer”.
7. Abandonar a vida dos nascituros à liberdade de disposição de outras pessoas equivale a instrumentalizar esses seres humanos a conveniências e critérios alheios e traduz-se numa violação grosseiramente discriminatória do princípio da igual dignidade de todos os homens.
8. Não há nenhuma razão susceptível de legitimar a morte intencional e directa do feto. E não basta a eventual bondade de intenções (v.g. preservar a saúde ou a vida da mãe) para sanar a ilicitude do acto intrinsecamente mau do aborto provocado: o fim não justifica os meios.
9. Repugna especialmente admitir que o ser humano em gestação possa ser sacrificado, segundo uma lógica utilitarista e voluntarista, ao bem-estar e ao desejo dos progenitores.
10. A lei permissiva que consente e favorece a prática do aborto é ilegítima, mesmo se dotada de validade formal: nem tudo o que é legal é legítimo (v.g. a legislação anti-semita de Hitler, a repressão legal dos dissidentes na União Soviética). Não é, sequer, verdadeira lei (regra de justiça e prescrição racional para o bem comum), mas corrupção da lei e violência. Clamorosamente injusta, não obriga moralmente, contra ela se justificando, além de outras formas de resistência, a invocação da objecção de consciência. Esta é um direito e um dever fundamental, constitucionalmente consagrado, que pertence não só aos profissionais da saúde chamados a intervir em actos abortivos, mas também aos políticos que participam no processo de feitura da lei. Desse firme respeito pela consciência e pela lei moral deu um testemunho singularmente exemplar o Rei Balduíno, recusando-se a promulgar a legislação belga despenalizadora do aborto.
11. Os cidadãos que queiram manter-se fiéis a esta carta de princípios em defesa da vida e da dignidade da pessoa não poderão dar o seu apoio a partidos e políticos permissivos em matéria de aborto.
12. É com princípios racionais como estes, radicados na verdade das coisas, e não com movimentos passionais de opinião e votações imponderáveis, que se deve tratar a problemática do aborto. Eles rejeitam tanto a resposta permissiva (abortismo permissivo) como a resposta puramente repressiva (anti-abortismo repressivo), preconizando antes soluções fundamentadas em critérios de justiça, de equidade e de bem comum (anti-abortismo humanista). Este último caminho pertence à cultura da vida e repudia terminantemente as facilidades abortivas concedidas pelo Estado. Crê firmemente que, sobre os tristes despojos dos fetos abortados e a angústia das pobres mães abortadeiras, jamais se poderá edificar solidamente a cidade dos homens. Afastando-se de posições de rígido legalismo condenatório (“dura lex, sed lex”), a opção humanista empenha-se em prevenir o mal do aborto, ajudar as famílias, apoiar as mulheres grávidas, promover a paternidade responsável, proteger os diminuídos, incentivar a adopção, aperfeiçoar o estatuto do nascituro, estimular o acolhimento do dom da vida.
(30 de Outubro de 1996)
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