terça-feira, janeiro 30, 2007

Simples fetos vivos?

Permito-me trazer aqui, pelo seu manifesto interesse, artigo de opinião hoje publicado no Correio da Manhã da autoria do dr. José Luís Ramos Pinheiro:

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Assumo claramente votar 'não', na escolha do próximo dia 11 de Fevereiro, mas continuo a pensar que não faz sentido referendar o direito de alguém a viver. Em 2007, como em 1998.

Uma vez gerada uma vida (se não for destruída, é exactamente de uma vida que se trata), quem tem direito a destruí-la? E até que momento de gestação é lícita essa destruição? Por outras palavras: qual o prazo de validade para o exercício de tal direito que assim se pretende atribuir? Faz sentido legitimar a morte de alguém, transformando-a num direito de quem gerou essa vida?

A pergunta oficial do referendo esforça-se por branquear muitas destas interrogações e há quem abuse de palavras e conceitos, procurando disfarçar ou mascarar a realidade. Um dia destes, um médico, cujo nome não retive, defendia o aborto, garantindo que uma criança antes de nascer não é pessoa e não passa de um simples "feto vivo"!

Numa altura em que se abusa do significado das palavras, com intuitos meramente utilitários, sou forçado a reconhecer a coragem com que o antigo ministro Laborinho Lúcio assumiu ir votar 'sim'.

Laborinho entende que o problema do aborto não é matéria penal, pelo que defende a liberalização do aborto até às dez semanas. Não concordo com o argumento de Laborinho Lúcio, mas cumprimento a frontalidade com que assume o propósito de liberalizar a prática do aborto até às dez semanas, sem negar o óbvio, ao contrário de muitos partidários do 'sim'.

De facto, é disto que se trata e é uma escolha essencial: deve ou não permitir-se que o aborto se pratique, só porque sim? Sem outros fundamentos ou limites, que a barreira artificial das dez semanas de gestação de uma criança. Por mais que se atropele o debate, reduzindo crianças a simples "fetos vivos", trata-se de liberalizar o aborto até às dez semanas, como assumiu sem rodeios, o ex-ministro Laborinho Lúcio.

Mas assumir a liberalização do aborto é fazer tábua rasa dos direitos de quem já foi concebido. Se de outra maneira não for, quem tem a felicidade de ter filhos e acompanhou as ecografias que os médicos já não dispensam fica sem dúvidas: o pequeno ser que as imagens permitem ver não é outra coisa que vida humana. Liberalizar, tornar absolutamente livre, a decisão sobre a vida e a morte de um qualquer ser humano representa, goste-se ou não, um profundo retrocesso civilizacional.

Que bases e fundamentos culturais propõem as sociedades que defendem a ecologia e a vida animal, mas simultaneamente promovem o direito de destruir uma vida humana (o tal feto vivo) que outros dois humanos também geraram?

Reconheço e respeito todo o sofrimento de famílias e mulheres envolvidas pelo drama do aborto, mas, ainda assim, não conheço nada mais digno de reconhecimento e respeito que o direito de todos à vida, começando pelos mais silenciosos e indefesos.