sexta-feira, janeiro 05, 2007

Em defesa da Vida humana… ponto!

(Um artigo de João Titta Maurício, docente universitário)

As leis devem reflectir e proteger os padrões morais de uma sociedade, porque é assim que se mantém o tecido social e se alcançam os equilíbrios indispensáveis. Ora, não é por acaso que as esquerdas usam do poder que por vezes lhe é concedido pelo voto (e quando não o têm, usam e abusam do domínio que lhes é permitido nos media e na rua) e, sempre que podem, recorrentemente bombardeiam-nos com campanhas destinadas exclusivamente a atacar e negar a validade dos padrões éticos que permitem distinguir o Bem do Mal. É por isso que hoje a sociedade ocidental navega ao acaso, pois as esquerdas têm sido bem sucedidas: aproveitando o voto que beneficiam em função do estímulo da inveja e depois aplicam-no em campanhas de intoxicação e de apelo ao relativismo ético para levar a cabo as suas propostas legislativas (ditas) fracturantes.
Parece pouco consistente e esclarecido quem afirma que «se a direita quiser ser genuinamente liberal, deve promover a tolerância dos usos e costumes». Assim, chegámos a uma situação onde as Virtudes já não são conhecidas e reconhecidas; e os valores (seus substitutos operativos) são “de geometria variável”. Porém estes (porque não fundacionais) são desprovidos de Autoridade e, por isso, susceptíveis de serem desobedecidos. O resultado é a indiferença e o relativismo reinantes!
Mal anda uma certa direita que se julga “arejada” quando afirma que «o Estado não pode colocar-se numa posição de “árbitro” de gostos, opções ou moralidades». O Estado não é árbitro, antes é executor e defensor do modelo maioritário consensual. O Estado não pode optar por moralidades. Mas também não deve rejeitar ou tentar substituir a Moral consensual, ampla e historicamente aceite e que demonstrou ser a mais adequada. A legislação deve reflectir a noção colectiva de Bem e não acolher uma solução que, não enquadrando no sentir abstracto geral apenas serve de alívio pessoal de consciências. Pelo contrário: o Estado não pode aspirar à neutralidade que não é possível, antes deve constituir-se no seu primeiro instrumento de defesa.

«A tradição, é elo que ata e harmoniza o Passado com o Presente, é o vínculo que liga o Passado ao Futuro»
Camilo Castelo Branco

Se abandonar a defesa da Moral maioritária (não obstante esta pretender defender os mais fracos e aqueles que mais precisam), havendo concorrência (e zonas e momentos de conflito), ao Estado restar-lhe-à escolher entre morais concorrentes. Com base em que hierarquia de valores?
Aliás, não parece Liberalismo mas é puro Individualismo afirmar que «o Estado deve inibir-se de legislar sobre os assuntos que apenas respeitam à moralidade e a comportamentos individuais que em nada afectam o bem-estar e a segurança da comunidade». Primeiro, não é o Estado que legisla: é a sociedade! Segundo, a questão do aborto é uma questão de comportamento individual inaceitável, porque causa dano em terceiros que, apesar de terem uma capacidade jurídica de exercício diminuída (e que por isso deve ser, em seu nome, exercida por quem a Sociedade delega esse direito/dever: nos pais), têm um direito tutelável (a Vida). Finalmente, ainda se considerássemos a vontade individual da mulher, resta-nos afirmar que esta nos parece de muito duvidosa aceitação a manifestação de uma vontade por parte de alguém que se encontra extremamente perturbado e sob pressão.
É certo que «o Estado nada tem que ver com as nossas vidas pessoais nem deve intrometer-se no exercício das nossas escolhas e liberdades». Mas (e ultrapassando a questão da dicotomia Estado/Sociedade), se parece óbvio que as escolhas individuais são da exclusiva responsabilidade de cada cidadão, natural também é que se entenda que estas devam operar... dentro dos limites morais/legais acolhidos pela Sociedade. O apego (individual e livre) às virtudes da Tolerância e do Pluralismo são comportamentos (individualmente) sadios e imprescindíveis numa sociedade Liberal. Mas não exigem que, os que os cultivam, se dediquem a criar condições para... o vazio e o relativismo moral!
A Democracia liberal, a governação não assistida de uma comunidade, o auto-governo dos indivíduos, pressupõe que todos os seus componentes respeitem, cumpram e façam cumprir a ética da responsabilidade fundadora do modelo civilizacional a que pertencem. Deste modo, o modelo demo-liberal, para funcionar, requer cidadãos morais, isto é, que cada um actue de acordo com os padrões de comportamento conhecidos e aceites pela comunidade – porque são eles que a fundam. E (muito importante) que esses cidadãos sejam actuantes e vigilantes, isto é, que cuidem que os desvios ao comportamento padrão sejam denunciados e efectivamente punidos. Foi para isso se criou a lei, para suportar uma moral enformadora e fundacional de uma comunidade, para não só garantir o seu funcionamento mas, também, para obviar à sua destruição.
Por outro lado, é uma artifício intelectualmente pouco sério afirmar que quem defende a Liberdade da Economia face à intervenção do Estado, não pode deixar de reclamar o mesmo para a questão do aborto. Ninguém defende que o Estado seja afastado da “economia”, mas que se abstenha de intervir como agente económico e se dedique a regular e fiscalizar o cumprimento das regras indispensáveis à Liberdade (leia-se, “concorrência”). Todavia, é evidente que para garantir o bom funcionamento da economia de acordo com regras... a sua existência pressupõe a existência de uma valoração ética sobre os comportamentos: exige-se que estas sejam compatíveis com a hierarquia de valores operante na sociedade e que, por isso, sejam previamente conhecidas (assim se afastando a coercibilidade arbitrária e ilegítima)!

«A Liberdade só pode ser exercida quando os cidadãos submetem o seu comportamento a limites, pois não há Liberdade sem regras legais e de conduta».
Friederich von Hayek

Além disso, Liberdade não é o direito de se fazer o que se quer, mas o direito a não se obedecer à vontade arbitrária e coercivamente imposta por outros. Assim, a abstenção de intervenção do Estado significa que este se deve inibir de impor comportamentos, não significa que deva admitir ou acolher todos os comportamentos. Pelo contrário, deve impedir e sancionar aqueles que violem o quadro de valores sancionado pela Sociedade. Principalmente quando estes se pretendem impor a terceiros indefesos.
Mas há quem, fiel aos Princípios, não desiste. E resiste!


João Titta Maurício
Professor da Universidade Lusófona