sexta-feira, janeiro 05, 2007

Façam o favor de ter filhos!

(Um artigo de Mário Contumélias, docente universitário)

O governo alemão aumentou significativamente os incentivos oferecidos aos casais que resolvam ter filhos. A medida entrou em vigor às zero horas deste novo ano, facto que terá mesmo provocado algum reboliço nos hospitais do país, porque as mães, perto de dar à luz, queriam que os filhos nascessem já em 2007, para poderem beneficiar dos novos subsídios.
A recente legislação alemã visa apoiar as mães que trabalham, pelo que as verbas atribuídas pelo Estado como apoio à maternidade, são calculadas com base no ordenado que elas recebem nos seus empregos. Tudo porque a Alemanha regista a menor taxa de natalidade da União Europeia (U.E.) e, se a situação se mantiver, em 2050 haverá menos 32 milhões de alemães.
É que um terço das mulheres alemãs diz não querer ter filhos e a taxa de natalidade baixou para uns preocupantes 1,3 por cento, de nascimentos por casal. Ora, sem o nascimento de novas crianças é todo o grupo social que entra em crise e corre o risco de desaparecimento.
O fenómeno não é novo nem exclusivo do universo alemão. Na Europa actual, o número de nascimentos é insuficiente para assegurar a substituição das populações. O Velho Continente não conseguiu ainda resolver as consequências perversas da entrada das mulheres no mercado de trabalho, cruzada com a luta pela igualdade de género. Porque ser "profissional" e ter uma "carreira" implica disputar um lugar, lado a lado com os homens e nas mesmas condições. E isso significa abdicar da maternidade.
Via de regra, ser mãe é sinónimo de perder terreno no mercado, de ficar aquém profissionalmente, de receber piores salários. E isso, numa sociedade governada pela racionalidade capitalista, é algo que as mulheres querem cada vez menos. Por essa razão é que o governo alemão apoia agora aquelas que trabalham, procurando dar-lhes condições económicas para suportarem a "travessia do deserto", que terão de fazer se quiserem ter filhos.
Em Portugal a situação não é diferente. Um estudo da U.E. mostrava, não há muito, que a natalidade desceu para metade, nos últimos quarenta anos, no nosso país, sendo, em 2003, de 1,5 filhos por casal. E é por isso que, também por cá, são necessárias medidas que permitam conciliar o trabalho e a vida familiar, e em concreto facilitem a decisão de ter filhos, como, de resto, a União Europeia recomenda aos países membros. Mas paradoxalmente andamos ainda a discutir o problema do aborto...
Claro que na mesma medida em que recusam a fertilidade, os europeus tornam-se mais dependentes da imigração. Precisam dos migrantes para resolver as necessidades de trabalho, para assegurar o desenvolvimento das economias e, sobretudo, para garantirem a renovação da população. E de migrantes provenientes de culturas mais apegadas à tradição em que a fertilidade e a reprodução são ainda valores maiores.
Claro que essas são também culturas em que, do ponto de vista dos valores europeus, a mulher é recorrentemente subalternizada em relação ao homem, e "reduzida" à sua condição de esposa e mãe. De onde relevam conflitos culturais a que vimos assistindo, a níveis aparentemente tão simples como o uso de um véu, de um lenço na cabeça, ou da "chocante" burka.
Não é um problema fácil de resolver, este que as sociedades europeias enfrentam, vítimas das suas próprias escolhas, em termos de sistemas político e económico. Mas é certo que a solução não passa nem pela xenofobia, nem pelo racismo, nem pela guetização dos migrantes. É bom que tomemos consciência disto.
E os que não quiserem que as velhas identidades europeias se esboroem para dar lugar a identidades novas e radicais, só tem um caminho - façam o favor de ter filhos.


Mário Contumélias