quinta-feira, fevereiro 15, 2007

O "ABANÃO"

O país ainda acorda lentamente do abanão – 5.8 na escala de Richter.
Parece que até a natureza se revoltou contra a enorme tragédia que se abateu por terras lusas: o “Sim” à legalização e banalização do aborto venceu o Referendo de domingo.

Como todos sabem, empenhei-me de forma activa na campanha pelo “Não” ao aborto livre e a pedido. Por isso, assumo a derrota. Pois, felizmente sei perder, assim como também sei ganhar. E ao contrário do que muitos podem julgar estive, nos últimos dias, afastado da blogosfera apenas por motivos pessoais.

Contudo, considero que a derrota do dia 11 não foi só uma derrota para o movimento pró Vida, mas sim uma derrota civilizacional e um enorme retrocesso nacional. Foi o primeiro passo para o colapso de toda uma estrutura que faz de nós o que hoje somos. Um passo para o vazio niilista que parece apoderar-se cada vez mais da nossa sociedade. E que de referendo em referendo, de despenalização em despenalização irá ganhar terreno.Hoje foi o aborto, amanhã será o homicídio, depois o roubo, o tráfico de droga, o tráfico de armas, a prostituição, a pedofilia, a fuga aos impostos, etc.
Tudo será despenalizado e deixado à livre consciência de cada um. A mesma consciência que o “Sim” diz ser Lei. E não julguem que este cenário catastrófico está longe de acontecer, ou será que já ninguém se lembra do partido holandês que pretende a despenalização da pedofilia?
Com isto, ocorre-me perguntar aos defensores do “Sim”, quem é que nos protegerá das más consciências, depois de tudo ter sido despenalizado?

Voltando ao Referendo propriamente dito, o “Sim” venceu com 59,25% e o “Não” ficou-se pelos 40,75%. A abstenção atingiu os 56,39%.Sobre isto digo que, tal como em 1998, a maioria dos portugueses optou por não se pronunciar sobre este tema e na minha opinião, existem duas leituras possíveis para esse fenómeno.Uma, em que os portugueses consideram este um assunto menor, irrelevante para o país e contrário ao propósito da realização do Referendo – que apenas é convocado sobre determinados assuntos de relevante interesse nacional. E outra, em que os portugueses se desvincularam por considerarem não ser necessário a alteração da lei de 1984. Pois, se os portugueses quisessem realmente alterar a lei, podiam tê-lo feito, votando de forma vinculativa no “Sim”.
Na verdade, nada ficou decidido, ao contrário do que os abortistas pretendem impor. Vejamos, por isso, o que diz a Lei Orgânica do Regime de Referendo:

Artigo 240.º

Eficácia vinculativa

O referendo só tem efeito vinculativo quando o número de votantes for superior a metade dos eleitores inscritos no recenseamento.

Posso parecer um pouco repetitivo quando digo que em Portugal tudo é possível, mas na verdade em Portugal as leis não servem para ser cumpridas, mas sim para ser transgredidas.
Por isso, nos últimos dias, esperei para ver as reacções do pós-referendo e constatei que independentemente de qualquer resultado o aborto iria ser liberalizado. Se não fosse de forma referendária, seria de forma extra-referendária, como deverá acontecer.
No próprio dia do Referendo, após o fecho das urnas, tive a oportunidade de falar com um amigo que votou “Sim” e ao que me disse com um ar um desconsolado que não havia outra hipótese para esta questão. Ou seja, naquele momento percebi que muitos portugueses votaram “Sim”, pois já estavam fartos deste assunto e não queriam outro Referendo sobre o aborto.
Realmente é triste esta fraqueza do nosso povo que votou “Sim” só para agradar e para evitar mais campanhas abortistas. O que me leva a concluir que em Portugal o radicalismo é sempre triunfante, se não for à primeira será à segunda.

Além disso, os sintomas desse triste fado surgem também sob outras formas. A comunicação social que já durante a campanha agiu de forma parcial, após a vitória do “Sim” assumiu finalmente a sua posição – nos telejornais, somos constantemente presenteados com notícias “cor-de-rosa”, que apenas mostram os supostos benefícios do aborto.
Ainda assim, após se ter sabido o resultado final, houve um facto que não escapou ao meu olhar atento. Refiro-me à declaração da directora da clínica privada abortista “Dos Arcos”, Yolanda Dominguez, que afirmou que a clínica de Lisboa está praticamente pronta e que abrirá as portas já em Março deste ano. Além disso, também a clínica privada “El Bosque já está a preparar o terreno para se lançar ao ataque de mais abortos. Ou seja, o negócio do aborto existe e está a chegar em força a Portugal, ao contrário do que o “Sim” afirmou durante a campanha.

Nada surpreendente foi a reacção do PS, que nos últimos dias se apressou a dizer que a nova lei apenas a eles lhe diz respeito e que, ao contrário do que disse na campanha, não vai existir aconselhamento obrigatório para as mães que queiram abortar e ainda que todos os processos relativos a crime de aborto vão ser suspensos. Afinal, parece que o “Não” sempre tinha razão, quando falava em liberalização do aborto.

Chamo também a atenção para o fundamentalismo que já nos habituou a esquerda radical. Ouviu Francisco Louçã afirmar que Portugal entrou finalmente no século XXI e que já não era preciso mais ir a Badajoz.Pois bem, se o aborto é uma forma de evolução secular, então a União Soviética e a Alemanha nacional-socialista – que foram os primeiros países do mundo a legalizar o aborto – estariam, portanto, no século XXV. Ainda assim, convêm lembrar o senhor Louçã que possivelmente deve-se ter esquecido que as mulheres portuguesas têm de continuar a ir a Badajoz, mas não é para ir às famosas “rebajas”, mas sim para ir dar à luz, visto que a maternidade de Elvas foi encerrada.
Será este o conceito de século XXI, para Francisco Louçã?

Facto que me deixou surpreso foi a atitude de alguma direita, pelo qual eu tenho algum respeito, que perante o desespero do resultado afirmou ser preciso repensar as posições da direita em relação ao aborto.
Ora bem, a direita em que eu me revejo não é a direita populista da caça ao voto. A minha direita tem convicções personalistas e humanistas e não pode abdicar delas tornando-se numa outra esquerda. A direita distingue-se precisamente pela manutenção dos valores estáveis que permitem a liberdade responsável do indivíduo em comunidade. Ao contrário da esquerda que reprime a estabilidade dos valores e a liberdade individual em nome de um bem supremo.
O aborto não é o ponto de clivagem entre direita e esquerda, mas é com certeza um ponto essencial. E se a direita portuguesa seguir o mesmo caminho da direita europeia, então o “Não” ao aborto a pedido passará a ser uma causa da esquerda oportunista, como já acontece na Europa.

Termino com um vídeo de campanha, que infelizmente não tive a oportunidade de o exibir. Ainda assim, considero importante divulgar o seu conteúdo, pois mostra e bem a nova realidade que se vive em Portugal pós-modernista:


[Por Demokrata]