sábado, fevereiro 12, 2011

Um (pouco) admirável mundo novo... ou as (novas) aventuras na República Portuguesa!

(Este depoimento vivo de João Titta Maurício é aqui publicado sem autorização do autor, a quem pedimos desculpa por isso; mas confiamos em que não se importará. Vale pelo seu valor intrínseco.)

Os meus 2 filhos mais novos nasceram neste período pós-Lei da liberalização do aborto. E isso permitiu-me descobrir um quadro legal e comportamental que tem tanto de novo quanto de repugnante.
Descobri que quando uma mulher de 36 anos fica grávida e se dirige ao Centro de Saúde, a primeira pergunta que lhe fazem é «vem cá para o tirar?»!?! Não creio que esse seja um comportamento obrigatório ou legalmente exigido. Mas é, no mínimo, sintomático e paradoxal - e a existência da tal lei do aborto não deve ser indiferente na génese este "clima" - que um médico se sinta "moral" e deontologicamente autorizado a sugerir um aborto!
A que acresceu a sugestão final: «então, "prontos", querem ter este... mas depois do parto venham cá para tratarmos da "laqueção das Trompas»!?! (voltarei a este tema, a esta sugestão "médica" que consiste na indução de uma situação clínica anómala e não saudável do funcionamento do sistema reprodutivo de uma mulher saudável...).
Depois, novo sinal dos tempos, na consulta inicial de ginecologia, após a identificação pessoal da grávida, na fase do historial clínico, quando informámos da notícia de 2 partos anteriores, a (chocante) pergunta: «e este 3º, é do mesmo pai dos outros»?!? Será assim tão socialmente herético que um casal esteja casado (na época) há 15 anos e que, aos 40 e 36, desejem ter mais filhos?
Depois a descoberta de que a maioria dos conhecidos e Amigos nos passavam a tomar por uma de duas opções: ou heróis ou loucos (a primeira, uma expressão quase sempre bondosa mas que muitos, por delicadeza ou simpatia, usavam com uma entoação a lembrar a segunda; e esta segunda, também por delicadeza ou simpatia, substituía outra(s) que, de facto, eram aquela(s) que tinham em mente: loucos, irresponsáveis, ou pior...). Aprendi, assim, que - se tinha dúvidas -, para a maioria da sociedade, a parentalidade não é uma bênção ou um desígnio natural de um casal, mas uma fatalidade a que só não se foge quando não se pode e que, quanto muito, apenas consiste na prestação ao nível de "serviços mínimos", cumpridos ao estilo de "greve de zelo"... pois ser pai é um "custo-investimento" de alto-risco que, ainda por cima, se torna, para o casal, num "anti-teaser", num "empata-fadas" e numa incomodativa realidade que torna quase impossível o tão imensamente importante e imprescindível sonho da quinzena a dois nas Caraíbas...
Porém, mais coisas me foram desvendadas.
Por exemplo, (e, apesar de tudo, foi recentemente alterado... não que o antes ou o depois representem boas soluções, mas só uma delas é sistemicamente coerente) descobri que se uma mulher quer abortar... porque "o corpo lhe pertence" (dispenso-me de contestar a evidente falácia)..., mesmo se casada, a decisão é dela e só dela. Sendo que o outro "co-autor" passa à condição de um impotente (salvo seja!) "verbo de encher" (literalmente). Já se a mulher casada quisesse, por sua iniciativa e vontade, requerer a tal "laqueação das Trompas", não o poderia fazer sem autorização do marido...! A solução recente, assenta na coerência do sistema: a vontade do marido é dispensada.
Depois percebi que, para acomodar outros exotismos "familiares", de "marido" fui despromovido para o mínimo denominador comum de "pessoa significativa". Ou seja, eu e a minha mulher optámos pelo casamento mas, para o Estado (dos hospitais), tal compromisso e vontade não só não tem relevância como sofre de um desprezo para permitir a inclusão das outras exóticas "vontades". Não lhe (ao Estado) pareceu justo e razoável criar uma figura equivalente à de "cônjuge". Não! Era necessário e imprescindível diminuir o casamento...
Mas mais.Quando na quarta-feira, aproveitando uma facilidade "Simplex" disponibilizada no edifício do hospital, fui registar o meu filho mais novo, perguntei à minha mulher pelo documento que atestasse o nascimento, pois não compreendia como podia proceder ao registo sem esse documento. O contrário prestar-se-ia a fraudes. E a outra alternativa (que o funcionário do registo pudesse informaticamente aceder aos dados clínicos pessoais à guarda do hospital) era inconstitucional. Mas ela insistiu que a informação prestada era de que, para o registar, bastava que um dos pais se apresentasse na posse dos documentos de identificação de ambos. Incrédulo... oh, quanta ignorância a minha!... dirigi-me ao tal posto de atendimento e quando, como interrogação, exponho as minhas dúvidas sobre os documentos necessários para o registo, a funcionária confirma a informação prestada. Indaga pela identificação dela e pela data do parto, "saca" de uma pasta de argolas que... para meu espanto... verifico conter um print-out - em princípio disponibilizado pelo hospital - onde constavam os nomes e dados de todos os partos! Ou seja: se, constucional e legalmente, é proibido o cruzamento electrónico de dados... então distribuem-se os mesmos dados em papel e o funcionário fá-lo à moda artesanal!
Os mais recentes são igualmente assustadores e reveladores do estado de degradação civilizacional a que chegámos.
Está a futura mãe sujeita aos cuidados médicos de preparação para o parto, começando a sentir incómodos e dores que - apesar de anteciparem um alegre momento - são causa de alguma perturbação psicológica e muito desconforto físico, quando irrompe pela porta do quarto - no meu caso, sem se identificarem ou informarem do propósito - uma "menina" (creio que Assistente Social) e que entende por bem sujeitar ambos os pais a um inquérito cuja relevância estatística - admito - pode ser imensa, mas cujo momento da realização não podia ser mais estúpido e inoportuno. Além de que, afim de completar dados que não foram prestados pela parturiente ou marido, a "menina" - como se estivesse a praticar o mais natural dos actos - abre o dossier com o historial médico da gravidez que, uma vez mais, lhe foi disponibilizado e possibilitado pelos representantes do Estado (dos hospitais), permitindo o acesso de dados médicos pessoais - que, por natureza, são de acesso restrito.
Tudo em nome dessa "indústria" da falácia, da demagogia e do desperdício de recursos da Comunidade e que responde pelo nome de "Assistentes Sociais"...Finalmente, um dos naturais anseios dos novos pais é, obviamente, o momento em que, para atestar a qualidade da condição de saúde da mãe e do filho, são estes, pela "alta médica", autorizados a deixar a maternidade. Mas se esta é a situação "normal", diferente é o entendimento do Estado (dos hospitais) quando... oh suprema infâmia!... a criança que nasceu é o 4º filho. Nesse caso, tudo se modifica. Como se um caso de estranha e perturbadora "doença social" se tratasse, é a mãe informada de que não lhe será - a ela e à criança - permitido sair e regressar a casa sem que, previamente, se haja sujeitado a uma obrigatória "entrevista" com um(a) Assistente Social! Objectivos declarados de tal "entrevista"? Verificar as condições dos pais! Sim, porque tal "aberrante anormalidade" de ter 4 filhos é, no mínimo, motivo para atenta vigilância por parte do Estado (dos hospitais e assuntos adjacentes). Que perguntas são feitas? Habilitações, profissão, rendimentos dos pais e características da habitação morada de família. Fabuloso!!! Só gostava de saber qual o propósito da recolha de tais informações. Presumo - porque a minha imaginação não alcança mais... - que seja um de três: - será para, verificada a inexistência de condições materiais, em nome da Comunidade e como estímulo à natalidade, as proporcionar a essa família?- será para, verificada a inexistência de condições materiais, em nome de uma peculiar interpretação dos Direitos da Criança, retirar o bebé a essa "irresponsável" e "criticável" família?- ou será uma forma superior de voyeurismo social, com objectivos "urbi et orbi" de admoestação-aviso para que tal, tão inaceitável quanto condenável, "ousadia", não se repita?Um dia, retrospectivamente olhando para este nosso tempo presente, de nós dir-se-à "como foi possível terem ido tão longe, e como foi possível que tenham os homens aceitado viver com tais excessos de tirania?".Porque quando os cidadãos são abusivamente controlados e a Liberdade, a esfera individual de privacidade e os Direitos Fundamentais são assim ofendidos e postergados pelos poderes públicos... é mesmo de tirania que devemos falar!

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