Muitas perguntas poucas respostas (2)
(Um artigo de Maria José Nogueira Pinto)
A prisão da mulher que aborta tornou-se, neste referendo, o ponto nevrálgico da exploração de uma frágil e fragmentada consciência colectiva. Quem é que quer ver as mulheres presas? A esta pergunta, cada um de nós precipita-se a olhar para dentro de si mesmo. E vê o quê? Vê essa mulher abandonada, entregue à sua sorte, desesperada. E que diz? Não, eu não quero que ela seja presa!
Antes de nos deixarmos arrastar por este "círculo em expansão da compaixão moral" é obrigatório, por uma questão de honestidade intelectual, que se analise do quê e de quem estamos a falar.
Na reflexão que este referendo exige de todos nós, convém lembrar que o aborto é um crime na exacta medida em que a vida humana é um valor essencial e o direito à vida a base de todos os outros. Destruir uma vida que tem todas as condições para prosseguir o seu ciclo natural de de-senvolvimento é uma violência muito superior à que possa sentir a mulher que aborta por um puro acto de voluntarismo, quando é julgada.
Em todos os ordenamentos jurídicos o aborto é um crime precisamente porque a vida humana é um valor fundamental, incluindo, naturalmente, a vida humana intra-uterina. A lei de 1984 não afasta este princípio basilar, apenas tipifica situações excepcionais, casos-limite. E noutros países o que se pôs em causa foi a existência, ou não, de vida humana nas primeiras semanas de gestação. Questão eminentemente do domínio da ciência e não do direito. Sendo que o progresso científico, entretanto verificado, fez desaparecer a base empírica da oposição fundamental entre o ser nascido - visível e imediatamente presente na vida social - e o ser não nascido, inacessível e oculto.
O ser humano não nascido aparece agora, e aparecerá no futuro, em contextos sociais cada vez mais extensos, como uma entidade ética e jurídica de per si.
A primeira pergunta a exigir fortemente resposta é a de quantas mulheres foram julgadas em Portugal? E dessas, quantas foram condenadas? E dessas, quantas cumpriram pena de prisão?
É que, enquanto um "sim" genérico e cego desvaloriza em absoluto o acto de abortar e elimina do nosso ordenamento jurídico o valor da vida humana até às dez semanas de gravidez, a ponderação, caso a caso, das concretas circunstâncias em que cada concreta mulher, ela e a sua condição, foi levada a abortar é o único caminho justo que distingue comportamentos assentes em puro laxismo irresponsável, pura leviandade (que numa sociedade responsável não devem merecer compaixão), das situações condicionadas por factores objectivos, que podem explicar uma atitude extrema. Este distinguo é da essência do sistema judicial e é uma das mais relevantes funções dos magistrados.
Ao contrário do que alguns pensam, não há leis responsáveis para comportamentos irresponsáveis. Mas há sempre uma aplicação responsável da lei, e essa é a melhor garantia.
É bom relembrar que o "sim", neste referendo, não contribuirá em nada para acalmar a consciência colectiva não só quanto à pobreza e solidão das mulheres que abortam, como também quanto à humilhação do julgamento ou da prisão. Podia até ser verdade se a pergunta que vai ser feita aos portugueses fosse outra... Mas não é. Com este "sim", às dez semanas e um dia, as mulheres que abortarem - na mesma pobres, na mesma abandonadas, na mesma humilhadas - podem ser presas.
Nada aflige mais a minha condição feminina como ouvir e ver na televisão homens mediáticos a perorarem, com um conveniente ar e tom compungido, sobre as pobres mulheres que abortam, porque abortar é sempre mau, lembram, um trauma, já se sabe, mas paciência, o que é que se pode fazer?
Como se na origem da gravidez não estivesse sempre um homem e na origem do aborto não estivesse quase sempre um homem que se demite, foge e abandona.
E se a prática do aborto é sempre algo mau, doloroso e traumático para a mulher, e portanto não desejável, porquê apresentar a sua liberalização (afinal a mulher irremediavelmente entregue à sua sorte) como a melhor resposta que a sociedade lhe oferece, apresentada como uma conquista civilizacional?
Finalmente, mas não menos relevantes, são as dúvidas que suscita a aplicação prática do "sim", caso ganhasse. É que uma lei cria direitos e gera legítimas expectativas quanto à sua aplicação. Como daria o Serviço Nacional de Saúde resposta a este novo direito? Com que meios? E em detrimento de que outros direitos em saúde?
Sendo os recursos escassos, o "sim" vai legitimar a redistribuição desses recursos em nome de uma política pública paga com os nossos impostos. Vão cortar na prevenção do cancro da mama ou do colo do útero? Vão passar de quatro para oito anos a lista de espera para o tratamento da infertilidade? Vão deixar cair, ainda mais, as disposições da lei do planeamento familiar, cortando consultas, anticonceptivos gratuitos e informação e formação às mulheres? Vão reduzir os médicos de família? Vão desinvestir nos doentes crónicos? Vão fechar os olhos às doenças neuro-degenerativas que afligem crescentemente os idosos? Vão fechar serviços de Saúde dificultando mais o acesso dos cidadãos? Como vai o Ministério da Saúde pagar a contratualização de clínicas privadas no caso, já dado como certo pelo ministro, de o SNS não ter capacidade de atendimento?
É a estas perguntas que é urgente dar resposta. Ficamos à espera.
A prisão da mulher que aborta tornou-se, neste referendo, o ponto nevrálgico da exploração de uma frágil e fragmentada consciência colectiva. Quem é que quer ver as mulheres presas? A esta pergunta, cada um de nós precipita-se a olhar para dentro de si mesmo. E vê o quê? Vê essa mulher abandonada, entregue à sua sorte, desesperada. E que diz? Não, eu não quero que ela seja presa!
Antes de nos deixarmos arrastar por este "círculo em expansão da compaixão moral" é obrigatório, por uma questão de honestidade intelectual, que se analise do quê e de quem estamos a falar.
Na reflexão que este referendo exige de todos nós, convém lembrar que o aborto é um crime na exacta medida em que a vida humana é um valor essencial e o direito à vida a base de todos os outros. Destruir uma vida que tem todas as condições para prosseguir o seu ciclo natural de de-senvolvimento é uma violência muito superior à que possa sentir a mulher que aborta por um puro acto de voluntarismo, quando é julgada.
Em todos os ordenamentos jurídicos o aborto é um crime precisamente porque a vida humana é um valor fundamental, incluindo, naturalmente, a vida humana intra-uterina. A lei de 1984 não afasta este princípio basilar, apenas tipifica situações excepcionais, casos-limite. E noutros países o que se pôs em causa foi a existência, ou não, de vida humana nas primeiras semanas de gestação. Questão eminentemente do domínio da ciência e não do direito. Sendo que o progresso científico, entretanto verificado, fez desaparecer a base empírica da oposição fundamental entre o ser nascido - visível e imediatamente presente na vida social - e o ser não nascido, inacessível e oculto.
O ser humano não nascido aparece agora, e aparecerá no futuro, em contextos sociais cada vez mais extensos, como uma entidade ética e jurídica de per si.
A primeira pergunta a exigir fortemente resposta é a de quantas mulheres foram julgadas em Portugal? E dessas, quantas foram condenadas? E dessas, quantas cumpriram pena de prisão?
É que, enquanto um "sim" genérico e cego desvaloriza em absoluto o acto de abortar e elimina do nosso ordenamento jurídico o valor da vida humana até às dez semanas de gravidez, a ponderação, caso a caso, das concretas circunstâncias em que cada concreta mulher, ela e a sua condição, foi levada a abortar é o único caminho justo que distingue comportamentos assentes em puro laxismo irresponsável, pura leviandade (que numa sociedade responsável não devem merecer compaixão), das situações condicionadas por factores objectivos, que podem explicar uma atitude extrema. Este distinguo é da essência do sistema judicial e é uma das mais relevantes funções dos magistrados.
Ao contrário do que alguns pensam, não há leis responsáveis para comportamentos irresponsáveis. Mas há sempre uma aplicação responsável da lei, e essa é a melhor garantia.
É bom relembrar que o "sim", neste referendo, não contribuirá em nada para acalmar a consciência colectiva não só quanto à pobreza e solidão das mulheres que abortam, como também quanto à humilhação do julgamento ou da prisão. Podia até ser verdade se a pergunta que vai ser feita aos portugueses fosse outra... Mas não é. Com este "sim", às dez semanas e um dia, as mulheres que abortarem - na mesma pobres, na mesma abandonadas, na mesma humilhadas - podem ser presas.
Nada aflige mais a minha condição feminina como ouvir e ver na televisão homens mediáticos a perorarem, com um conveniente ar e tom compungido, sobre as pobres mulheres que abortam, porque abortar é sempre mau, lembram, um trauma, já se sabe, mas paciência, o que é que se pode fazer?
Como se na origem da gravidez não estivesse sempre um homem e na origem do aborto não estivesse quase sempre um homem que se demite, foge e abandona.
E se a prática do aborto é sempre algo mau, doloroso e traumático para a mulher, e portanto não desejável, porquê apresentar a sua liberalização (afinal a mulher irremediavelmente entregue à sua sorte) como a melhor resposta que a sociedade lhe oferece, apresentada como uma conquista civilizacional?
Finalmente, mas não menos relevantes, são as dúvidas que suscita a aplicação prática do "sim", caso ganhasse. É que uma lei cria direitos e gera legítimas expectativas quanto à sua aplicação. Como daria o Serviço Nacional de Saúde resposta a este novo direito? Com que meios? E em detrimento de que outros direitos em saúde?
Sendo os recursos escassos, o "sim" vai legitimar a redistribuição desses recursos em nome de uma política pública paga com os nossos impostos. Vão cortar na prevenção do cancro da mama ou do colo do útero? Vão passar de quatro para oito anos a lista de espera para o tratamento da infertilidade? Vão deixar cair, ainda mais, as disposições da lei do planeamento familiar, cortando consultas, anticonceptivos gratuitos e informação e formação às mulheres? Vão reduzir os médicos de família? Vão desinvestir nos doentes crónicos? Vão fechar os olhos às doenças neuro-degenerativas que afligem crescentemente os idosos? Vão fechar serviços de Saúde dificultando mais o acesso dos cidadãos? Como vai o Ministério da Saúde pagar a contratualização de clínicas privadas no caso, já dado como certo pelo ministro, de o SNS não ter capacidade de atendimento?
É a estas perguntas que é urgente dar resposta. Ficamos à espera.
2 Comentários:
Por que motivo este blogue está listado como "blogue nacionalista"?
Ver aqui:
http://blogsnacionalistas.blogspot.com/
Têm de fazer a pergunta aos Adm. do blogue que faz referencia.
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