Da vontade e da verdade
Por mais que quisesse que o meu computador fosse um Mac, não passa de mais um PC. É a dura realidade, e desta vez sem requerer grandes exercícios filosóficos. Chego lá facilmente.
Ora, o que eu me questiono sempre que penso em democracia é se, acaso a maioria decidisse que eu tinha um Mac, isso passaria a ser verdade. E como a resposta me parece óbvia, nunca hesito em declarar-me anti-democrata.
O problema nesta coisa toda do aborto nem é se existe ou não uma vida humana às dez semanas. Disso estamos certos, não há volta a dar, não se discute! Trata-se é de saber em que raio de sistema vivemos nós que nos permite substituir a realidade pela vontade. Pior: em que reconhecemos a verdade mas podemos ultrapassa-la, por uma necessidade social da mulher que o estado não saiba, não consiga nem queira resolver, ou outra consideração inconcebível acerca da validade, do valor ou da utilidade de um ser humano em formação. A mulher decide, senhora e dona da realidade, relativizando-a à medida da sua conveniência, tantas vezes em condicionalismos apertados que não lhe deixam fuga mais fácil que a facilidade de inverter os papeis: apontar a gravidez como causa de todos os males, quando a pobreza que a afecta ou a vontade que a aprisiona na ilusão de ser detentora da verdade, são sim os problemas essências.
O que eu gostava de estar a reclamar na rua era o apoio do estado social (essa maravilha espectral que inventámos) às mulheres que transportam vidas humanas no ventre. Apoio para acabar com a pobreza e com a falta de informação acerca da prevenção. Mas é mais fácil quando a vontade se alia ao carácter imediato que quase sempre a acompanha, já que o aborto é um ápice e o défice veio para ficar. E mesmo se resvalarmos para a questão económica, acabamos a concluir que os nossos impostos vão suportar (vão?) remessas de vales em branco assinados pelo governo, para clínicas privadas (ai o privado, esse bicho que subjuga o proletário) poderem preencher com os mais sofisticados, ultra-moderníssimos e caros métodos de matança precoce.
No fim fica tudo igual?
Talvez as mulheres fiquem tão pobres como estavam. Mas o estado alarga a despesa, o privado (ai, esse bicho que subjuga o proletário) alarga a receita e nós... nós? Manchamos as mãos de sangue!
publicado em simultâneo n' O Estado do Tempo
Ora, o que eu me questiono sempre que penso em democracia é se, acaso a maioria decidisse que eu tinha um Mac, isso passaria a ser verdade. E como a resposta me parece óbvia, nunca hesito em declarar-me anti-democrata.
O problema nesta coisa toda do aborto nem é se existe ou não uma vida humana às dez semanas. Disso estamos certos, não há volta a dar, não se discute! Trata-se é de saber em que raio de sistema vivemos nós que nos permite substituir a realidade pela vontade. Pior: em que reconhecemos a verdade mas podemos ultrapassa-la, por uma necessidade social da mulher que o estado não saiba, não consiga nem queira resolver, ou outra consideração inconcebível acerca da validade, do valor ou da utilidade de um ser humano em formação. A mulher decide, senhora e dona da realidade, relativizando-a à medida da sua conveniência, tantas vezes em condicionalismos apertados que não lhe deixam fuga mais fácil que a facilidade de inverter os papeis: apontar a gravidez como causa de todos os males, quando a pobreza que a afecta ou a vontade que a aprisiona na ilusão de ser detentora da verdade, são sim os problemas essências.
O que eu gostava de estar a reclamar na rua era o apoio do estado social (essa maravilha espectral que inventámos) às mulheres que transportam vidas humanas no ventre. Apoio para acabar com a pobreza e com a falta de informação acerca da prevenção. Mas é mais fácil quando a vontade se alia ao carácter imediato que quase sempre a acompanha, já que o aborto é um ápice e o défice veio para ficar. E mesmo se resvalarmos para a questão económica, acabamos a concluir que os nossos impostos vão suportar (vão?) remessas de vales em branco assinados pelo governo, para clínicas privadas (ai o privado, esse bicho que subjuga o proletário) poderem preencher com os mais sofisticados, ultra-moderníssimos e caros métodos de matança precoce.
No fim fica tudo igual?
Talvez as mulheres fiquem tão pobres como estavam. Mas o estado alarga a despesa, o privado (ai, esse bicho que subjuga o proletário) alarga a receita e nós... nós? Manchamos as mãos de sangue!
publicado em simultâneo n' O Estado do Tempo
2 Comentários:
"E como a resposta me parece óbvia, nunca hesito em declarar-me anti-democrata"
Perferes te declarar ovelhinha...Se o teu tao amado reizinho declara-se que tu tinhas um MAC tu papavas porque nao podias fazer mais nada, nem estrilhar.
Es ridiculo...
Caro anónimo
Na monarquia que defendo, o Rei está comprometido com a verdade. Na democracia de que o meu amigo tanto deve gostar, o povo compromete-se apenas com a sua vontade, seja ela qual for. A tendência democrática, mesmo que se tente impor-lhe limites, é sempre essa: a do primado da vontade. Ora o primado do sistema que eu defendo, é o da verdade. E é só perante ela que o Rei responde. Se parece pouco, não sei o que será muito!
Contente-se com a vontade do povo, que pode ser que, algum dia, façam a sua. Se não, arrisca-se a viver duplamente prisioneiro: da sua vontade e da vontade de decisão desse povo. E a verdade que lixe, não é?
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