A ÉTICA É UM MODO DE COMPORTAMENTO HUMANO
Amorim Rosa de Figueiredo, médico aguedense, é o autor do livro “Consentimento para o Acto Médico”.
A publicação surgiu na sequência do mestrado que concluiu em Bioética e trata, sobretudo, dos cuidados a ter no exercício moderno de medicina, especialmente em pediatria. O único catedrático português em bioética, Rui Nunes, considera o livro como “um marco importante da Bioética contemporânea”.
A SP, Armindo Rosa de Figueiredo falou de ética, do seu sentido de oportunidade, do aborto, da eutanásia e das novas escravidões a que o homem está sujeito.
Soberania do Povo (SP): Do que trata o livro “Consentimento para o Acto Médico”?
Amorim Rosa de Figueiredo (ARF): É o culminar de uma tese de mestrado. Inscrevi-me num mestrado em bioética ou ética da vida, um termo criado em 1970 por um cancerolo-gista americano que entendeu que todo o acto do homem inscreve-se no seu ambiente.
SP: Porque decidiu escrever este livro?
ARF: Quando defendi a tese, na Faculdade de Medicina do Porto, o júri entendeu que devia ser publicado. Chegou mesmo a dizer que era a melhor coisa que havia em Portugal sobre ética. Pediram-me para a Associação Portuguesa de Bioética e Ética Médica publicar em livro e eu autorizei. Entendi que não tinha o direito de silenciar algo que pode ser útil a outros.
SP: O livro é muito científico?
ARF: Não. É perfeitamente acessível ao cidadão comum. Foi feito após um estudo de “rato de bibliotecas”, do conhecimento e de um inquérito efectuado em cinco serviços de pediatria.
SP: Em linguagem académica?
ARF: Uma linguagem académica perfeitamente transparente, até para um aluno da quarta classe.
SP: Reflecte o seu interesse pela ética?
ARF: Eu sou presidente da Comissão de Ética do Hospital de Aveiro desde 1994, quando ainda não havia legislação sobre comissões de ética. Ao ter conhecimento que havia um mestrado no Porto sobre bioética, decidi inscrever-me.
SP: A ética está inerente ao exercício da medicina?
ARF: Está inerente ao exercício do acto humano, seja qual ele for.
SP: Mas os médicos têm o juramento de Hipócrates...
ARF: Essa é a ética médica. O Juramento de Hipócrates é o primeiro grande código deontológico da medicina. É estupendo e de uma profundidade de respeito muito grande. A ética tem como grande denominador comum o respeito, depois procura a verdade e o bem.
SP: Baseia-se em princípios?
ARF: O primeiro é o da não malificiência. O segundo, para alguns será o primeiro, é o da beneficiência, que é fazer o bem. O conceito do bem e do mal são discutíveis. Se uma rapariga vem ter comigo para eu lhe fazer um aborto, ela poderá pensar que aquilo é bem e eu pensar que aquilo é mal.
SP: O seu mestrado…?
ARF: Vai muito para lá da medicina. Foi desenvolvido o termo de bioética, mas há também a ética das coisas, como a ética empresarial, do futebol...
SP: Porque escolheu este tema?
ARF: A minha formação social e religiosa obriga-me a procurar o bem. Procurá-lo e divulgá-lo.
SP: Não é antagónico misturar questões religiosas com científicas?
ARF: Não. A grande discussão entre a ética e a ciência vem de Santo Agostinho. Há aparentes confrontos, mas a ciência pode emoldurar a ética. A ética foi definida pelo Papa Pio XII, em 1952 como “o leito do regato por onde corre a água do agir e do pensamento do homem”.
SP: Para que é necessária a ética?
ARF: Porque o homem foi desenvolvendo saberes. No princípio era nómada, comia frutos das árvores e era predador, corria atrás das presas. Foi criando saberes e a ser requisitado por outros para lhe emprestar esses saberes. Quando os empresta, tem de o fazer no sentido de bem. É a ética. Com o iluminismo, a autonomia do homem desenvolve-se e passa a ter governo de si próprio, ter liberdade. Mas a sua liberdade está subordinada à liberdade dos outros.
SP: A ética é um encontro das liberdades e dos interesses?
AF: Depois da revolução industrial, a sociedade desenvolveu-se, os medicamentos passaram a ser mais actuantes e já não são os placebos das cataplasmas, das coisinhas quentes ou das raiízes das árvores. Os medicamentos passaram a ser mais passíveis de lesão. O homem, por outro lado, ao aumentar o seu conhecimento e dominar-se a si próprio, passa a ser interveniente nessa escolha. Quando o médico quer fazer alguma coisa ao doente deve explicar-lhe tudo e ele terá de perceber o que foi proposto.
SP: Há muitas fugas à ética?
ARF: Permanentemente. O homem é sempre imperfeito e ao procurar a sua perfeição está a colmatar as suas imperfeições e às vezes a criar outras.
SP: A ética é uma garantia para a continuidade da vida?
ARF: Sim. A ética é um modo de comportamento humano.
O aborto… “é eticamente incorrecto”. “O aborto é uma morte de um ser vivo…”, considerou Amorim Figueiredo, em declarações a SP.
SP: A interrupção voluntária da gravidez (IUG) pode ser uma fuga à ética?
ARF: No meu entender, absolutamente sim. A interrupção voluntária da gravidez, ou o aborto, para falar mais concretamente e, como diz o nosso povo, para “chamar os bois pelos nomes”, é eticamente incorrecto. O que eu faço, deve ser uma coisa maravilhosa. Se eu matar, e o aborto é uma morte de um ser vivo...
SP: O que é um ser vivo...
ARF: É um ser vivo desde o acto da fecundação. Quando o espermatozóide entra no óvulo, criou-se um ser vivo.
SP: Poderá ser considerado aborto a partir desse momento?
ARF: A partir desse momento. Uma menstruação atrasada é uma interrupção de uma vida que a natureza entendeu não dever continuar.
SP: É contra o aborto?
ARF: Absolutamente.
SP: E se vier a ser legalizado?
ARF: Não deixa de ser a mesma coisa. Eticamente é sempre incorrecto.
SP: Como explica, então, que os médicos possam vir a fazê-lo?
ARF: Uns fazem, outros podem não fazê-lo, como objectores de consciência. É um direito, seu, direito constitucional.
SP: Os médicos que fazem abortos estarão a ir contra a ética?
ARF: Eticamente, para eles é um valor que não lhes importa. A ética não é uma verdade absoluta. Os que o fazem, quais são as motivações para o fazer?
SP: Fazer um aborto é fazer o mal?
ARF: É fazer o mal. Obviamente.
SP: Os médicos que praticarem o aborto estão a fazer o mal?
ARF: A ética não é uma verdade absoluta. A ética é fazer o bem. O acto humano pode não obedecer ao princípio, pode ser subordinado a uma vontade interior.
SP: Mesmo com consequências negativas para a mulher?
ARF: Considera-se passível de aceitação circunstancial o conhecimento científico de doenças inerentes ao embrião que o tornem inviável. Se souber que podem ocorrer mortes logo ao nascer, mortes a curto prazo ou vidas inviáveis, o princípio ético do aborto é incorrecto mas é aceitável.
SP: E em caso de violação?
ARF: Não podemos dizer que se pode aceitar sempre, nem que nunca é. A ética do século XXI é uma ética de discussão. Há muitos factos a ponderar.
SP: E quem poderá ponderar?
ARF: Equipas pluridisciplinares de vários estratos profissionais. As comissões de ética surgiriam nos Estados Unidos para resolver problemas do género: estamos numa unidade de cuidados intensivo e só temos uma cama e três doentes para ela. Quem deverá ser escolhido sabendo que só essa pessoa se vai safar.
SP: E na eutanásia, que respostas tem a ética para a eutanásia?
ARF: Não é possível. A vida tem de ser respeitada. Fiz um estudo da incidência das religiões sobre a ética e não há uma única que defenda a eutanásia, porque é matar.
SP: Mesmo que seja a vontade da própria pessoa?
ARF: Não têm vontade. Há estados críticos. Até ao último minuto há vida...
SP: Mas também há vidas que subsistem em estados vegetativos.
ARF: Sabemos lá. Não terá a mesma vida a pessoa que fala baixo, que é manco, que tem cancro... No último minuto, a pessoa pode dar vida aos outros. Ninguém é dono da vida.
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O HOMEM MATA COM PALAVRAS
O médico Amorim Figueiredo vai escrever novo livro, sobre a sua vida profissional de médico. “Um registo de 48 anos de medicina”, sobre histórias da minha história, disse a SP.
SP: Em concreto, do que é que tratará este livro?
ARF: Chama-se “Consentimento do Acto Médico”, porque quando o médico faz qualquer coisa ao doente, ele tem que entender o que propõe fazer. Mas este livro trata de questões com menores, porque os menores não são capazes de entender, começam a chorar, têm medo. Para eles terá de haver quem os oriente. A maior parte das vezes são os pais, mas os pais não são donos, porque o filho é uma vida.
SP: Mas há quem tenha de decidir.
ARF: Será em princípio os pais, a quem por vezes é retirado o poder paternal quando tratam mal os filhos. O Código Penal diz que a partir dos 14 anos já poderá decidir em pequenos actos. Por vezes o médico vai contra os pais.
SP: É disso que trata este livro?
ARF: Sim. Não recebo nenhum cêntimo com o comércio deste livro. Teria escolhido o título “Consentimento em menores num serviço de pediatria” mas ficaria selectivamente marcado. Desenvolve a legislação sobre ética.
SP: Não sente que vivemos num mundo acelerado, com alterações constantes na área científica?
ARF: Em todas as áreas. Miterrand, Presidente da República Francesa, dizia, em 1992, quando deu posse ao Conselho de Ética, que “o conhecimento humano anda numa velocidade muito superior”. A ética vai atrás. E atrás da ética vai o biodireito, para normalizar.
SP: A ética é então necessária numa época em constante mutação?
ARF: Sim, porque antigamente o homem só matava com um punhal, agora mata com as palavras. A escravidão de hoje não é uma escravidão física. Na ética, os meios nunca justificam os fins. Não posso andar a fazer uma obra social muito boa quando para isso roubei. Não era ético o que o Zé do Telhado fazia.
SP: É a sua primeira publicação em livro?
ARF: É. Estou a começar outro, que não sei se o acabarei. Tenho uma vontade grande de o fazer.
SP: É sobre quê?
ARF: Sobre histórias da minha história. Um médico é um profissional que tem consigo a vida, permanentemente. Quando opera um doente se colocar o bisturi num grande vaso, mata por descuido ou acidente. Também pode salvar com cargas de electro-choques alguém que morreria. Um médico tem sempre a vida na mão. Queria escrever qualquer coisa da minha vida, que já é longa. Tenho 48 anos como médico e gostava de registar casos que se passaram. Não quero ser descritivo, mas tirar as minhas leituras.
SP: Um testemunho para os novos médicos?
ARF: Será um testemunho, se eu chegar ao fim. O homem é escravo daquilo que diz.
SP: É um trabalho que está adiantado?
ARF: Não. Estive agora em São Pedro do Sul e fui incentivado a contar histórias das lições que me deram. Porque as histórias que eu conto não são dos meus êxitos, nem são do ridículo. Procuro tirar lições que me sirvam para mim e para os outros.
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Quem é quem?
AMORIM R. FIGUEIREDO
Nome: Amorim Rosa de Figueiredo
Data de Nascimento: 22/11/1934
Natural: Paradela (Espinhel)
Funções: Médico desde 1958 e ortopedista desde 1969. Foi director clínico do Hospital de Aveiro entre 1975 e 1979 e director de serviços de ortopedia do Hospital de Aveiro de 1982 a 2001. frequenta a licenciatura de História da Arte na ARCA, em Coimbra. É elemento da Associação Portuguesa dos Médicos Católicos. Apresentou uma tese de mestrado em Maio de 2005 na Faculdade de Medicina do Hospital de São João (Porto) que deu origem ao livro da sua autoria “Consentimento para o Acto Médico” apresentado na Aula Magna da Faculdade de Medicina do Hospital de São João, a 7 de Novembro, e por Daniel Serrão no Congresso Nacional dos Médicos Católicos, na Universidade Católica (Porto), a 10 de Novembro.
FONTE
A publicação surgiu na sequência do mestrado que concluiu em Bioética e trata, sobretudo, dos cuidados a ter no exercício moderno de medicina, especialmente em pediatria. O único catedrático português em bioética, Rui Nunes, considera o livro como “um marco importante da Bioética contemporânea”.
A SP, Armindo Rosa de Figueiredo falou de ética, do seu sentido de oportunidade, do aborto, da eutanásia e das novas escravidões a que o homem está sujeito.
Soberania do Povo (SP): Do que trata o livro “Consentimento para o Acto Médico”?
Amorim Rosa de Figueiredo (ARF): É o culminar de uma tese de mestrado. Inscrevi-me num mestrado em bioética ou ética da vida, um termo criado em 1970 por um cancerolo-gista americano que entendeu que todo o acto do homem inscreve-se no seu ambiente.
SP: Porque decidiu escrever este livro?
ARF: Quando defendi a tese, na Faculdade de Medicina do Porto, o júri entendeu que devia ser publicado. Chegou mesmo a dizer que era a melhor coisa que havia em Portugal sobre ética. Pediram-me para a Associação Portuguesa de Bioética e Ética Médica publicar em livro e eu autorizei. Entendi que não tinha o direito de silenciar algo que pode ser útil a outros.
SP: O livro é muito científico?
ARF: Não. É perfeitamente acessível ao cidadão comum. Foi feito após um estudo de “rato de bibliotecas”, do conhecimento e de um inquérito efectuado em cinco serviços de pediatria.
SP: Em linguagem académica?
ARF: Uma linguagem académica perfeitamente transparente, até para um aluno da quarta classe.
SP: Reflecte o seu interesse pela ética?
ARF: Eu sou presidente da Comissão de Ética do Hospital de Aveiro desde 1994, quando ainda não havia legislação sobre comissões de ética. Ao ter conhecimento que havia um mestrado no Porto sobre bioética, decidi inscrever-me.
SP: A ética está inerente ao exercício da medicina?
ARF: Está inerente ao exercício do acto humano, seja qual ele for.
SP: Mas os médicos têm o juramento de Hipócrates...
ARF: Essa é a ética médica. O Juramento de Hipócrates é o primeiro grande código deontológico da medicina. É estupendo e de uma profundidade de respeito muito grande. A ética tem como grande denominador comum o respeito, depois procura a verdade e o bem.
SP: Baseia-se em princípios?
ARF: O primeiro é o da não malificiência. O segundo, para alguns será o primeiro, é o da beneficiência, que é fazer o bem. O conceito do bem e do mal são discutíveis. Se uma rapariga vem ter comigo para eu lhe fazer um aborto, ela poderá pensar que aquilo é bem e eu pensar que aquilo é mal.
SP: O seu mestrado…?
ARF: Vai muito para lá da medicina. Foi desenvolvido o termo de bioética, mas há também a ética das coisas, como a ética empresarial, do futebol...
SP: Porque escolheu este tema?
ARF: A minha formação social e religiosa obriga-me a procurar o bem. Procurá-lo e divulgá-lo.
SP: Não é antagónico misturar questões religiosas com científicas?
ARF: Não. A grande discussão entre a ética e a ciência vem de Santo Agostinho. Há aparentes confrontos, mas a ciência pode emoldurar a ética. A ética foi definida pelo Papa Pio XII, em 1952 como “o leito do regato por onde corre a água do agir e do pensamento do homem”.
SP: Para que é necessária a ética?
ARF: Porque o homem foi desenvolvendo saberes. No princípio era nómada, comia frutos das árvores e era predador, corria atrás das presas. Foi criando saberes e a ser requisitado por outros para lhe emprestar esses saberes. Quando os empresta, tem de o fazer no sentido de bem. É a ética. Com o iluminismo, a autonomia do homem desenvolve-se e passa a ter governo de si próprio, ter liberdade. Mas a sua liberdade está subordinada à liberdade dos outros.
SP: A ética é um encontro das liberdades e dos interesses?
AF: Depois da revolução industrial, a sociedade desenvolveu-se, os medicamentos passaram a ser mais actuantes e já não são os placebos das cataplasmas, das coisinhas quentes ou das raiízes das árvores. Os medicamentos passaram a ser mais passíveis de lesão. O homem, por outro lado, ao aumentar o seu conhecimento e dominar-se a si próprio, passa a ser interveniente nessa escolha. Quando o médico quer fazer alguma coisa ao doente deve explicar-lhe tudo e ele terá de perceber o que foi proposto.
SP: Há muitas fugas à ética?
ARF: Permanentemente. O homem é sempre imperfeito e ao procurar a sua perfeição está a colmatar as suas imperfeições e às vezes a criar outras.
SP: A ética é uma garantia para a continuidade da vida?
ARF: Sim. A ética é um modo de comportamento humano.
O aborto… “é eticamente incorrecto”. “O aborto é uma morte de um ser vivo…”, considerou Amorim Figueiredo, em declarações a SP.
SP: A interrupção voluntária da gravidez (IUG) pode ser uma fuga à ética?
ARF: No meu entender, absolutamente sim. A interrupção voluntária da gravidez, ou o aborto, para falar mais concretamente e, como diz o nosso povo, para “chamar os bois pelos nomes”, é eticamente incorrecto. O que eu faço, deve ser uma coisa maravilhosa. Se eu matar, e o aborto é uma morte de um ser vivo...
SP: O que é um ser vivo...
ARF: É um ser vivo desde o acto da fecundação. Quando o espermatozóide entra no óvulo, criou-se um ser vivo.
SP: Poderá ser considerado aborto a partir desse momento?
ARF: A partir desse momento. Uma menstruação atrasada é uma interrupção de uma vida que a natureza entendeu não dever continuar.
SP: É contra o aborto?
ARF: Absolutamente.
SP: E se vier a ser legalizado?
ARF: Não deixa de ser a mesma coisa. Eticamente é sempre incorrecto.
SP: Como explica, então, que os médicos possam vir a fazê-lo?
ARF: Uns fazem, outros podem não fazê-lo, como objectores de consciência. É um direito, seu, direito constitucional.
SP: Os médicos que fazem abortos estarão a ir contra a ética?
ARF: Eticamente, para eles é um valor que não lhes importa. A ética não é uma verdade absoluta. Os que o fazem, quais são as motivações para o fazer?
SP: Fazer um aborto é fazer o mal?
ARF: É fazer o mal. Obviamente.
SP: Os médicos que praticarem o aborto estão a fazer o mal?
ARF: A ética não é uma verdade absoluta. A ética é fazer o bem. O acto humano pode não obedecer ao princípio, pode ser subordinado a uma vontade interior.
SP: Mesmo com consequências negativas para a mulher?
ARF: Considera-se passível de aceitação circunstancial o conhecimento científico de doenças inerentes ao embrião que o tornem inviável. Se souber que podem ocorrer mortes logo ao nascer, mortes a curto prazo ou vidas inviáveis, o princípio ético do aborto é incorrecto mas é aceitável.
SP: E em caso de violação?
ARF: Não podemos dizer que se pode aceitar sempre, nem que nunca é. A ética do século XXI é uma ética de discussão. Há muitos factos a ponderar.
SP: E quem poderá ponderar?
ARF: Equipas pluridisciplinares de vários estratos profissionais. As comissões de ética surgiriam nos Estados Unidos para resolver problemas do género: estamos numa unidade de cuidados intensivo e só temos uma cama e três doentes para ela. Quem deverá ser escolhido sabendo que só essa pessoa se vai safar.
SP: E na eutanásia, que respostas tem a ética para a eutanásia?
ARF: Não é possível. A vida tem de ser respeitada. Fiz um estudo da incidência das religiões sobre a ética e não há uma única que defenda a eutanásia, porque é matar.
SP: Mesmo que seja a vontade da própria pessoa?
ARF: Não têm vontade. Há estados críticos. Até ao último minuto há vida...
SP: Mas também há vidas que subsistem em estados vegetativos.
ARF: Sabemos lá. Não terá a mesma vida a pessoa que fala baixo, que é manco, que tem cancro... No último minuto, a pessoa pode dar vida aos outros. Ninguém é dono da vida.
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O HOMEM MATA COM PALAVRAS
O médico Amorim Figueiredo vai escrever novo livro, sobre a sua vida profissional de médico. “Um registo de 48 anos de medicina”, sobre histórias da minha história, disse a SP.
SP: Em concreto, do que é que tratará este livro?
ARF: Chama-se “Consentimento do Acto Médico”, porque quando o médico faz qualquer coisa ao doente, ele tem que entender o que propõe fazer. Mas este livro trata de questões com menores, porque os menores não são capazes de entender, começam a chorar, têm medo. Para eles terá de haver quem os oriente. A maior parte das vezes são os pais, mas os pais não são donos, porque o filho é uma vida.
SP: Mas há quem tenha de decidir.
ARF: Será em princípio os pais, a quem por vezes é retirado o poder paternal quando tratam mal os filhos. O Código Penal diz que a partir dos 14 anos já poderá decidir em pequenos actos. Por vezes o médico vai contra os pais.
SP: É disso que trata este livro?
ARF: Sim. Não recebo nenhum cêntimo com o comércio deste livro. Teria escolhido o título “Consentimento em menores num serviço de pediatria” mas ficaria selectivamente marcado. Desenvolve a legislação sobre ética.
SP: Não sente que vivemos num mundo acelerado, com alterações constantes na área científica?
ARF: Em todas as áreas. Miterrand, Presidente da República Francesa, dizia, em 1992, quando deu posse ao Conselho de Ética, que “o conhecimento humano anda numa velocidade muito superior”. A ética vai atrás. E atrás da ética vai o biodireito, para normalizar.
SP: A ética é então necessária numa época em constante mutação?
ARF: Sim, porque antigamente o homem só matava com um punhal, agora mata com as palavras. A escravidão de hoje não é uma escravidão física. Na ética, os meios nunca justificam os fins. Não posso andar a fazer uma obra social muito boa quando para isso roubei. Não era ético o que o Zé do Telhado fazia.
SP: É a sua primeira publicação em livro?
ARF: É. Estou a começar outro, que não sei se o acabarei. Tenho uma vontade grande de o fazer.
SP: É sobre quê?
ARF: Sobre histórias da minha história. Um médico é um profissional que tem consigo a vida, permanentemente. Quando opera um doente se colocar o bisturi num grande vaso, mata por descuido ou acidente. Também pode salvar com cargas de electro-choques alguém que morreria. Um médico tem sempre a vida na mão. Queria escrever qualquer coisa da minha vida, que já é longa. Tenho 48 anos como médico e gostava de registar casos que se passaram. Não quero ser descritivo, mas tirar as minhas leituras.
SP: Um testemunho para os novos médicos?
ARF: Será um testemunho, se eu chegar ao fim. O homem é escravo daquilo que diz.
SP: É um trabalho que está adiantado?
ARF: Não. Estive agora em São Pedro do Sul e fui incentivado a contar histórias das lições que me deram. Porque as histórias que eu conto não são dos meus êxitos, nem são do ridículo. Procuro tirar lições que me sirvam para mim e para os outros.
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Quem é quem?
AMORIM R. FIGUEIREDO
Nome: Amorim Rosa de Figueiredo
Data de Nascimento: 22/11/1934
Natural: Paradela (Espinhel)
Funções: Médico desde 1958 e ortopedista desde 1969. Foi director clínico do Hospital de Aveiro entre 1975 e 1979 e director de serviços de ortopedia do Hospital de Aveiro de 1982 a 2001. frequenta a licenciatura de História da Arte na ARCA, em Coimbra. É elemento da Associação Portuguesa dos Médicos Católicos. Apresentou uma tese de mestrado em Maio de 2005 na Faculdade de Medicina do Hospital de São João (Porto) que deu origem ao livro da sua autoria “Consentimento para o Acto Médico” apresentado na Aula Magna da Faculdade de Medicina do Hospital de São João, a 7 de Novembro, e por Daniel Serrão no Congresso Nacional dos Médicos Católicos, na Universidade Católica (Porto), a 10 de Novembro.
FONTE
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