HÁ ÉTICA DE DIREITA E ÉTICA DE ESQUERDA?
(por Maria José Nogueira Pinto)
Num curto espaço de tempo, o Partido Socialista propôs três leis, fez aprovar duas e prepara-se para um terceiro round parlamentar. Leis que noutros países dessa Europa que tomamos como figurino envolveram grande polémica, rios de tinta nos jornais, debates, a participação da comunidade científica, etc...Aqui vai de mansinho, subtilmente, sem dor.
A Lei da Procriação Medicamente Assistida, aprovada em 2006, continha lacunas graves, não se clarificando se o legislador queria ou não consagrar a investigação em embriões humanos viáveis. A questão não é de somenos já que se derroga a distinção fundamental entre sujeito/pessoa e objecto/coisa no que se refere a embriões humanos não transferidos.
A Lei do Aborto estabeleceu uma opção clara de desvalor da vida humana embrionária face a uma mera manifestação de vontade da mulher. Entra em vigor sem a respectiva regulamentação, para a qual foi transferida matéria essencial. Em termos práticos, hoje, uma mulher pobre continuará a abortar no tal vão de escada, o ponto essencial do aconselhamento foi atirado às urtigas, o Serviço Nacional de Saúde reconhece, por fim, que não tem capacidade para satisfazer as expectativas que a lei criou.
Agora, o mesmo PS apresenta um projecto de Lei sobre a utilização de células estaminais para investigação e aplicação terapêutica. De novo o preâmbulo, aliás paupérrimo, nada tem a ver com o articulado. Tal como sucedeu com as anteriores leis.
O resultado vai ser a utilização de embriões excedentários e dos "produtos (...) resultantes da interrupção voluntária da gravidez" na investigação e respectivas utilizações terapêuticas.
Ora, conhecendo nós o pouco que se investe em investigação em Portugal e sabendo que o resultado em utilização terapêutica é moroso, difícil, de retorno lento e requerendo altíssimo financiamento, do que tudo isto trata não é de progresso, é de comércio. Quem vai dar o consentimento? Quem vai fiscalizar? Como garantir que uma considerável "oferta" destes "produtos" não vai alimentar uma "procura" extracircuito legal? A resposta é: ninguém. Isso já não interessa ao PS, como não interessaram as consequências de fazer aprovar uma lei lacunosa quanto ao destino dos embriões excedentários ou uma lei do aborto que não protege nada nem ninguém.
Mas a questão é muito séria. De um lado, temos a dignidade da vida humana intra-uterina, do outro, o progresso científico e tecnológico. Não têm por que ser incompatíveis, pelo contrário. Disso mesmo trata a convenção relativa aos Direitos Humanos e a Biomedicina, aprovada pelo Conselho da Europa, posteriormente assinada em Oviedo por diversos países, entre os quais Portugal.
Sempre pensei que a única vantagem do nosso atraso seria o de aprender com quem vai à frente. E não fazer leis às três pancadas sob a capa da modernidade e do progresso.
As consequências são graves, e não apenas no plano dos princípios civilizacionais que todos dizemos defender. São-no também num eventual fomento de um comércio de pré-embriões e o seu uso industrial, satisfazendo um mercado crescente através de puro material de investigação denominada "terapêutica", de doadores "bebé-medicamento", do comércio livre de óvulos e embriões.
É possível que quem me leia esteja a pensar que estou a descrever um mau enredo de ficção científica. Não é assim. A ficção científica, mesmo a de má qualidade, é sempre uma projecção do possível, sendo que nem sempre o possível é desejável. E a ciência sabe que não compensa relativizar valores éticos permanentes em nome de razões puramente utilitaristas que, aliás, o próprio progresso na sua dinâmica acaba por resolver.
É por tudo isto que o cruzamento entre o domínio científico, sempre em evolução, e a função legislativa é delicado. Cabe ao Parlamento reconhecer a existência de uma necessidade social, à qual a ciência está em condições de responder, protegendo as expectativas criadas, assegurando o estabelecimento de regras e a orientação das práticas para que os fins não sejam pervertidos.
Se o Partido Socialista sabe o que está a fazer, não parece. Espero que o Parlamento saiba e recuse simplificações e precipitações perigosas. Optando pelo progresso e fechando a caixa de Pandora.
Num curto espaço de tempo, o Partido Socialista propôs três leis, fez aprovar duas e prepara-se para um terceiro round parlamentar. Leis que noutros países dessa Europa que tomamos como figurino envolveram grande polémica, rios de tinta nos jornais, debates, a participação da comunidade científica, etc...Aqui vai de mansinho, subtilmente, sem dor.
A Lei da Procriação Medicamente Assistida, aprovada em 2006, continha lacunas graves, não se clarificando se o legislador queria ou não consagrar a investigação em embriões humanos viáveis. A questão não é de somenos já que se derroga a distinção fundamental entre sujeito/pessoa e objecto/coisa no que se refere a embriões humanos não transferidos.
A Lei do Aborto estabeleceu uma opção clara de desvalor da vida humana embrionária face a uma mera manifestação de vontade da mulher. Entra em vigor sem a respectiva regulamentação, para a qual foi transferida matéria essencial. Em termos práticos, hoje, uma mulher pobre continuará a abortar no tal vão de escada, o ponto essencial do aconselhamento foi atirado às urtigas, o Serviço Nacional de Saúde reconhece, por fim, que não tem capacidade para satisfazer as expectativas que a lei criou.
Agora, o mesmo PS apresenta um projecto de Lei sobre a utilização de células estaminais para investigação e aplicação terapêutica. De novo o preâmbulo, aliás paupérrimo, nada tem a ver com o articulado. Tal como sucedeu com as anteriores leis.
O resultado vai ser a utilização de embriões excedentários e dos "produtos (...) resultantes da interrupção voluntária da gravidez" na investigação e respectivas utilizações terapêuticas.
Ora, conhecendo nós o pouco que se investe em investigação em Portugal e sabendo que o resultado em utilização terapêutica é moroso, difícil, de retorno lento e requerendo altíssimo financiamento, do que tudo isto trata não é de progresso, é de comércio. Quem vai dar o consentimento? Quem vai fiscalizar? Como garantir que uma considerável "oferta" destes "produtos" não vai alimentar uma "procura" extracircuito legal? A resposta é: ninguém. Isso já não interessa ao PS, como não interessaram as consequências de fazer aprovar uma lei lacunosa quanto ao destino dos embriões excedentários ou uma lei do aborto que não protege nada nem ninguém.
Mas a questão é muito séria. De um lado, temos a dignidade da vida humana intra-uterina, do outro, o progresso científico e tecnológico. Não têm por que ser incompatíveis, pelo contrário. Disso mesmo trata a convenção relativa aos Direitos Humanos e a Biomedicina, aprovada pelo Conselho da Europa, posteriormente assinada em Oviedo por diversos países, entre os quais Portugal.
Sempre pensei que a única vantagem do nosso atraso seria o de aprender com quem vai à frente. E não fazer leis às três pancadas sob a capa da modernidade e do progresso.
As consequências são graves, e não apenas no plano dos princípios civilizacionais que todos dizemos defender. São-no também num eventual fomento de um comércio de pré-embriões e o seu uso industrial, satisfazendo um mercado crescente através de puro material de investigação denominada "terapêutica", de doadores "bebé-medicamento", do comércio livre de óvulos e embriões.
É possível que quem me leia esteja a pensar que estou a descrever um mau enredo de ficção científica. Não é assim. A ficção científica, mesmo a de má qualidade, é sempre uma projecção do possível, sendo que nem sempre o possível é desejável. E a ciência sabe que não compensa relativizar valores éticos permanentes em nome de razões puramente utilitaristas que, aliás, o próprio progresso na sua dinâmica acaba por resolver.
É por tudo isto que o cruzamento entre o domínio científico, sempre em evolução, e a função legislativa é delicado. Cabe ao Parlamento reconhecer a existência de uma necessidade social, à qual a ciência está em condições de responder, protegendo as expectativas criadas, assegurando o estabelecimento de regras e a orientação das práticas para que os fins não sejam pervertidos.
Se o Partido Socialista sabe o que está a fazer, não parece. Espero que o Parlamento saiba e recuse simplificações e precipitações perigosas. Optando pelo progresso e fechando a caixa de Pandora.
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