Tem sentido legalizar hoje o aborto?
(por João Paulo Barbosa de Melo, mandatário do Grupo Cívico "Aborto a Pedido? Não!")
Ao contrário da actual lei, que reconhece haver, desde o princípio, dois bens jurídicos em causa, a vida da mãe e a do bebé que nela começou a desenvolver-se, a alteração proposta determina que, até às dez semanas, só a primeira dessas vidas existe e tem direito a protecção.
Estamos à beira de um novo referendo sobre a legalização do aborto e importa conhecer bem a natureza da mudança proposta para que todos opinemos segundo a nossa consciência, sem nos ensarilharmos em chavões simplórios e gritarias irracionais.
Ao contrário da actual lei, que reconhece haver, desde o princípio, dois bens jurídicos em causa, a vida da mãe e a do bebé que nela começou a desenvolver-se, a alteração proposta determina que, até uma determinada data de gestação, só a primeira dessas vidas existe e tem direito a protecção. O embrião com menos de 10 semanas pura e simplesmente desaparece da ordem jurídica, como se fosse mera parte do corpo da mulher sobre a qual esta pode dispor como entender. A partir daí, no entanto, a lei continuará a catalogar como crime o aborto provocado, perseguindo os seus autores: para usar um dos chavões mais repetidos, a lei continuará a "mandar mulheres para a prisão"...
Se deixar de haver duas vidas em consideração até às 10 semanas, o aborto provocado dentro deste prazo tenderá a ser uma operação rotineira nos hospitais, um entre tantos actos "médicos". Do pessoal de saúde esperar-se-á que aconselhe as pacientes sobre a forma mais limpa e segura de matar e eliminar os restos do embrião que lhes cresce no ventre e o Estado deixará de sentir-se obrigado a averiguar eventuais limitações da autonomia e liberdade de decisão da grávida, tantas vezes fragilizada e enredada em dramas que lhe turvam a clarividência.
Estará a mudança proposta de acordo com o espírito do tempo? Contribuirá ela para a sociedade mais feliz, mais respeitadora do outro, mais solidária e mais desenvolvida que queremos construir? O que quer que diga a lei, o fundo da questão incomoda todos os que se deixam interrogar por este mistério frágil que é a vida: será razoável defender que "aquilo" que se desenvolve a um ritmo alucinante num útero não é uma vida humana diferente e irrepetível? Os avanços da ciência tornam cada vez mais difícil defender que não e com isto concordam muitos dos que estão tentados a responder "sim" no referendo, por uma questão de ajustamento das leis a práticas sociais ou por sublimação de piedosos sentimentos de não penalização de quem aborta, ou promove o aborto, ou faz dinheiro a praticar abortos.
E porque é que a lei a referendo considera que é às 10 semanas, e não às 9 ou 12, que passa a haver uma segunda vida com direito a protecção legal? Acontece alguma coisa, em determinada fase do desenvolvimento do embrião, que lhe mude inequivocamente a substância e o transforme em vida humana? Um qualquer sopro divino? Ou é o tamanho do embrião que conta? Ou o aspecto? Ou a ideia, sempre provisória, que temos sobre a dor que ele pode sentir? O ser humano distingue-se dos restantes mamíferos por não ver apenas com os olhos, por também ser capaz de "ver" através da ciência, da razão, da imaginação, das convicções. Ora, ainda que os nossos olhos não vislumbrem mais do que um amontoado de células, todos sabemos que há uma nova vida desde a fusão do óvulo com o espermatozóide.
Essa capacidade humana de não ver apenas o que está à frente do nariz tem levado as sociedades desenvolvidas a penalizar e criminalizar, com crescente rigor, as agressões à natureza, à biodiversidade, à vida animal e vegetal, mesmo quando não temos certezas sobre os efeitos últimos do que fazemos. Será razoável, neste tempo, que deixem de ser crime a decisão e a acção de voluntariamente interromper uma vida, inequivocamente humana, ainda para mais quando a tecnologia nos permite observar cada vez melhor que não há nenhuma descontinuidade essencial desde a concepção até à morte natural de todos os indivíduos? Durante o século XX, quando a liberalização do aborto ganhou terreno em muitas nações e chegou a tornar-se política de Estado em países totalitários, talvez houvesse a desculpa de que não se via ali vida humana. Hoje, isso é inaceitável!
E quem nos diz que um dia os países que liberalizaram o aborto não vão voltar a proscrevê-lo? Se isso acontecer, como é mais do que possível, o repúdio da "solução final" do passado, que é o aborto, não se deverá nem a razões religiosas nem demográficas nem utilitaristas. Será antes o corolário de uma forma nova de olhar para o Mundo que começou a nascer depois dos positivismos dos anos 50 e 60 e que se caracteriza por uma cultura de responsabilidade e de respeito pela Natureza, pela assunção da intrínseca debilidade de todo o ser humano e pela necessidade de pôr sempre a vida acima de tudo. Estará Portugal condenado a encetar, no século XXI, o caminho por que outros enveredaram no passado, quando até há sinais de que se está a evoluir em sentido inverso? Não aprendemos nada?!
Lutar contra a instrumentalização da vida humana será uma das grandes causas mobilizadoras dos novos homens e mulheres de boa-vontade, qualquer que seja a sua matriz política, religiosa ou cultural. É esse desafio apaixonante que anima o combate dos que se opõem à liberalização do aborto.
Ao contrário da actual lei, que reconhece haver, desde o princípio, dois bens jurídicos em causa, a vida da mãe e a do bebé que nela começou a desenvolver-se, a alteração proposta determina que, até às dez semanas, só a primeira dessas vidas existe e tem direito a protecção.
Estamos à beira de um novo referendo sobre a legalização do aborto e importa conhecer bem a natureza da mudança proposta para que todos opinemos segundo a nossa consciência, sem nos ensarilharmos em chavões simplórios e gritarias irracionais.
Ao contrário da actual lei, que reconhece haver, desde o princípio, dois bens jurídicos em causa, a vida da mãe e a do bebé que nela começou a desenvolver-se, a alteração proposta determina que, até uma determinada data de gestação, só a primeira dessas vidas existe e tem direito a protecção. O embrião com menos de 10 semanas pura e simplesmente desaparece da ordem jurídica, como se fosse mera parte do corpo da mulher sobre a qual esta pode dispor como entender. A partir daí, no entanto, a lei continuará a catalogar como crime o aborto provocado, perseguindo os seus autores: para usar um dos chavões mais repetidos, a lei continuará a "mandar mulheres para a prisão"...
Se deixar de haver duas vidas em consideração até às 10 semanas, o aborto provocado dentro deste prazo tenderá a ser uma operação rotineira nos hospitais, um entre tantos actos "médicos". Do pessoal de saúde esperar-se-á que aconselhe as pacientes sobre a forma mais limpa e segura de matar e eliminar os restos do embrião que lhes cresce no ventre e o Estado deixará de sentir-se obrigado a averiguar eventuais limitações da autonomia e liberdade de decisão da grávida, tantas vezes fragilizada e enredada em dramas que lhe turvam a clarividência.
Estará a mudança proposta de acordo com o espírito do tempo? Contribuirá ela para a sociedade mais feliz, mais respeitadora do outro, mais solidária e mais desenvolvida que queremos construir? O que quer que diga a lei, o fundo da questão incomoda todos os que se deixam interrogar por este mistério frágil que é a vida: será razoável defender que "aquilo" que se desenvolve a um ritmo alucinante num útero não é uma vida humana diferente e irrepetível? Os avanços da ciência tornam cada vez mais difícil defender que não e com isto concordam muitos dos que estão tentados a responder "sim" no referendo, por uma questão de ajustamento das leis a práticas sociais ou por sublimação de piedosos sentimentos de não penalização de quem aborta, ou promove o aborto, ou faz dinheiro a praticar abortos.
E porque é que a lei a referendo considera que é às 10 semanas, e não às 9 ou 12, que passa a haver uma segunda vida com direito a protecção legal? Acontece alguma coisa, em determinada fase do desenvolvimento do embrião, que lhe mude inequivocamente a substância e o transforme em vida humana? Um qualquer sopro divino? Ou é o tamanho do embrião que conta? Ou o aspecto? Ou a ideia, sempre provisória, que temos sobre a dor que ele pode sentir? O ser humano distingue-se dos restantes mamíferos por não ver apenas com os olhos, por também ser capaz de "ver" através da ciência, da razão, da imaginação, das convicções. Ora, ainda que os nossos olhos não vislumbrem mais do que um amontoado de células, todos sabemos que há uma nova vida desde a fusão do óvulo com o espermatozóide.
Essa capacidade humana de não ver apenas o que está à frente do nariz tem levado as sociedades desenvolvidas a penalizar e criminalizar, com crescente rigor, as agressões à natureza, à biodiversidade, à vida animal e vegetal, mesmo quando não temos certezas sobre os efeitos últimos do que fazemos. Será razoável, neste tempo, que deixem de ser crime a decisão e a acção de voluntariamente interromper uma vida, inequivocamente humana, ainda para mais quando a tecnologia nos permite observar cada vez melhor que não há nenhuma descontinuidade essencial desde a concepção até à morte natural de todos os indivíduos? Durante o século XX, quando a liberalização do aborto ganhou terreno em muitas nações e chegou a tornar-se política de Estado em países totalitários, talvez houvesse a desculpa de que não se via ali vida humana. Hoje, isso é inaceitável!
E quem nos diz que um dia os países que liberalizaram o aborto não vão voltar a proscrevê-lo? Se isso acontecer, como é mais do que possível, o repúdio da "solução final" do passado, que é o aborto, não se deverá nem a razões religiosas nem demográficas nem utilitaristas. Será antes o corolário de uma forma nova de olhar para o Mundo que começou a nascer depois dos positivismos dos anos 50 e 60 e que se caracteriza por uma cultura de responsabilidade e de respeito pela Natureza, pela assunção da intrínseca debilidade de todo o ser humano e pela necessidade de pôr sempre a vida acima de tudo. Estará Portugal condenado a encetar, no século XXI, o caminho por que outros enveredaram no passado, quando até há sinais de que se está a evoluir em sentido inverso? Não aprendemos nada?!
Lutar contra a instrumentalização da vida humana será uma das grandes causas mobilizadoras dos novos homens e mulheres de boa-vontade, qualquer que seja a sua matriz política, religiosa ou cultural. É esse desafio apaixonante que anima o combate dos que se opõem à liberalização do aborto.
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