domingo, janeiro 07, 2007

NÃO!

A posição de Alberto João Jardim:

A República Portuguesa de que a Madeira – felizmente? Infelizmente?… - é uma parcela autónoma, decidiu repetir um referendo sobre o que, ridiculamente, denomina a “interrupção voluntária da gravidez”.
Que eu saiba, interrupção é suspender alguma coisa, para continuar depois, o que não é o caso da vida do feto.
Se calhar, não lhe chamaram “aborto discricionário”, para que o Zé Povo não parodiasse, com comparações ao que estamos a gramar, quem nos traz ao estado a que chegámos.
Para já, expresso a minha estupefacção, e sobretudo indignação, pela violação consentida da Constituição da República, assim mais uma vez enxovalhada ao sabor dos interesses que controlam o Estado.
Diz o seu artigo 24.º: “1. A vida humana é inviolável. 2. Em caso algum haverá pena de morte”.
Diz o artigo 25.º: “1. A integridade moral e física das pessoas é inviolável. 2. Ninguém pode ser submetido a tortura, nem a tratos ou penas cruéis, degradantes ou desumanos”.
E o artigo 26.º complementa, incluso para o caso, com “outros direitos pessoais”.
Ora, o Estado português que temos, ao aprovar um referendo sobre esta matéria, das duas, uma: Ou viola claramente a Constituição da República ou considera que o feto sujeito a aborto, não é vida humana. O que é uma grosseria científica, nem a Administração Pública, mesmo aos mais altos níveis do Estado, tem qualquer reconhecida competência para sobre tal se pronunciar.
Porém, o mais importante de tudo isto, nem sequer é o que possa dizer uma Constituição desacreditada pelos actos do próprio Estado.
A Constituição até podia dizer que a vida humana era violável e que a pena de morte era legal, e nem por isso tinha de ser observada, respeitada, à luz da consciência.
Tudo isto envolve questões mais de fundo, mais prioritárias e mais importantes do que “a Constituição”, ou do que o Estado que suportamos.
Tem a ver com o primado da pessoa humana.
O Estado e os restantes órgãos da Administração Pública só têm como razão de existência, a pessoa humana.
Não é a pessoa humana que é instrumento ou disposição do Estado. Quem entenda o contrário, permite todas as arbitrariedades que ponham em causa os Direitos, Liberdades e Garantias individuais, abre caminho ao totalitarismo. Por muitas hipócritas e repetitivas declarações de fé na Democracia, que faça, não é democrata.
E o valor primeiro, inalienável, que caracteriza a pessoa humana, é o do Direito à vida.
Ao expressar esta construção ideológica convicta da minha consciência, não estou com pieguices ou beatices – todos sabem não ser o meu género – nem estou a julgar a consciência de quem quer que seja.
Estou a exercer um meu direito, que o reconheço a qualquer cidadão.
Poderão interpelar-me como é que eu aceito a actual lei do aborto, em vigor, que contempla os casos de deformação congénita comprovada, de violação e de defesa da vida da mãe. Precisamente porque se trata de dois males graves – o sucedido e o aborto – sem alternativa possível. Neste caso, em consciência, há que optar pelo mal menor.
O que não é o caso da discricionariedade para eliminar a vida humana, como o que o próximo referendo pretende indignamente permitir.
Nem sequer estou a defender penalização genérica e abstracta para todas as mulheres que recorram ao aborto.
Adversário que sou do positivismo estreme que tomou conta da Justiça portuguesa, funcionalizando-a, entendo que cada caso é um caso. E que deveria ser assim analisado pelos Tribunais, aplicando a Justiça mais do que a lei, com o bom-senso que felizmente ainda existe.
O que não aceito, é a existência de qualquer precedente legal que ponha em causa o princípio do primado da vida humana. Estariam criadas as condições para a eutanásia liberalizada, para a instauração da pena de morte em certas circunstâncias, para a marginalização dos idosos sob conceitos economicistas, bem como para o advento de outras “aberrações” como o “casamento” dos homossexuais (não tenho qualquer preconceito em relação a estes).
Seria um precedente aberto para futuras discricionariedades dos legisladores, de carácter totalitário, anti-democrático.
Para já não falar daquilo que toda a gente percebeu – este referendo vem numa ocasião em que se começa a sentir as consequências do desastroso Orçamento de Estado 2007, serve para desviar as atenções sobre a situação em que o País mergulhou.
Mas, por detrás de tudo isto, existe também uma manifestação de decadência civilizacional e de hipocrisia colectiva.
A liberalização do aborto é contrariada pelas mais variadas confissões religiosas.
Em todas estas se sente que é atacada a essência da sobrevivência do ser humano, o respeito pela vida e o dever de solidariedade entre as pessoas.
Embora se reconheça que há confissões religiosas, por inércia, por “neutralidades”, por quererem “estar a bem com Deus e com o diabo”, por “respeitos humanos”, com a sua falta de intervenção assumida serem também responsáveis por se ter chegado a esta situação.
A morte legalizada e discricionária do feto, constitui também o primado do egoísmo, da comodidade. Elimina-se vida porque, dadas as circunstâncias, há gente que não está para se incomodar, assumir responsabilidades, dar amor a uma vida gerada.
É o consumismo em toda a sua plenitude. E o “engraçado”, é o facto de tal ser postulado precisamente pelos folcloristas abortivos que tanto falam contra a “sociedade de consumo”.
É a decadência de uma civilização que se diz “democrática”, mas liberaliza a droga enquanto fala contra o tabaco, procura institucionalizar – “fracturantemente”, como eles dizem… - autênticas aberrações da natureza, preocupa-se com um monte de terra que caiu no mar, chora por uma plantinha ou por uma avezinha, mas destrói a vida humana!
Vão “dar uma volta...” seus hipócritas!
Outras formas civilizacionais já nos combatem e consideram-nos decadentes!
Quem quiser ser decadente, que o seja.
Eu recuso-me. E, muito menos, pactuo com a hipocrisia e a cobardia de eliminar vidas indefesas.