quinta-feira, dezembro 07, 2006

Fala do homem nascido

O célebre poema de António Gedeão, que parece um hino escrito para agora:

Venho da terra assombrada
do ventre de minha mãe
não pretendo roubar nada
nem fazer mal a ninguém

Só quero o que me é devido
por me trazerem aqui
que eu nem sequer fui ouvido
no acto de que nasci

Trago boca pra comer
e olhos pra desejar
tenho pressa de viver
que a vida é água a correr

Venho do fundo do tempo
não tenho tempo a perder
minha barca aparelhada
solta o pano rumo ao norte

meu desejo é passaporte
para a fronteira fechada


Não há ventos que não prestem
nem marés que não convenham
nem forças que me molestem
correntes que me detenham

Quero eu e a natureza
que a natureza sou eu
e as forças da natureza
nunca ninguém as venceu

Com licença com licença
que a barca se fez ao mar
não há poder que me vença
mesmo morto hei-de passar
com licença com licença
com rumo à estrela polar


(António Gedeão, in Teatro do Mundo, 1958)

1 Comentários:

Blogger Paulo escreveu...

Qualquer dia, por este andar, vai-se exigir fiador para o acto de procriar.E, aí, aparece um legislador, um médico, im psícologo ou um politico a atestar que a senhora (Y) reúne as condições exigidas para a função materna. O resto está à vista.Não é uma invenção de uns tantos: está já aí, configurada numa taxa de crescimento da população que diminui todos os anos. Está nos múltiplos testemunhos de mulheres que dizem como é complicado ter filhos, como não sabem se vale a pena.
curiosamente, ainda há quem ache que este não é um problema político.
Abraço
Paulo

12/07/2006 06:35:00 da tarde  

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