segunda-feira, outubro 30, 2006

O sofisma de um referendo

(um artigo do General Ricardo Durão, publicado no “Expresso” do passado sábado).

Estamos à beira de nos ter que pronunciar face a um referendo que nos pergunta: “Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras dez semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?”
O que estamos nós a opinar? Acerca da despenalização? Acerca da liberalização?
Se vier a verificar-se uma vitória do "sim", as mulheres que efectuarem a interrupção voluntária da gravidez, até às dez semanas, não serão mais penalizadas? Só isso?
É óbvio que não! A consequência real é que fica legalizada a liberalização da interrupção voluntária da gravidez até às dez semanas. Aliás, é isto precisamente o que pretendem os proponentes desta forma de perguntar, embora não tenham o mínimo de coragem em o afirmar. Revelam até um notório ar comprometido e grande incómodo quando se fala em liberalização e se espraiam, com as explicações mais esfarrapadas, para justificar que a questão é apenas a despenalização. Havendo actualmente uma lei que permite a interrupção voluntária da gravidez em determinadas condições, parece que se aguarda que o Referendo origine uma eclosão do mercado, visto que já se perfilam clínicas estrangeiras para se fixarem em Portugal.
Sempre estranhei que esta questão nunca fosse consequentemente debatida, nem sequer aflorada. Só o foi recentemente na Assembleia da República, ainda bem. Ficámos a saber que uma maioria parlamentar, por sinal defensora do "sim", persistiu em manter o sofisma existente na forma da pergunta a referendar.
A situação é bem clara. Muito recentemente, o próprio primeiro-ministro, em discurso público, ao referir-se à questão do aborto, referiu textualmente que " ... irá ser liberalizado ... " .
Nesta questão é indispensável haver clareza, transparência e objectividade.
Quem persiste nesta forma a ser referendada, usa um embuste e uma armadilha. Além de mais, a despenalização do aborto não necessita de referendo, trata-se de uma solução jurídica a ser tratada por peritos de direito.
Porque têm medo de uma pergunta clara e transparente, como:
"Concorda com a interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras dez semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizada?”
Utilizei a expressão "interrupção voluntária da gravidez", para ser "politicamente correcto", porque significa precisamente "aborto voluntário", mas até deste termo a maioria parlamentar tem medo. Parece que em sede parlamentar se manteve a hipocrisia, a manipulação, o ardil e até uma certa cobardia por se esconderem por trás de uma compaixão pela penalização.
Resta-me a esperança que em sede presidencial e/ou constitucional, libertas da iníqua intencionalidade acima referida, se apercebam do embuste e sofisma e seja imposta uma forma bem clara e transparente.
Em concreto o que se irá decidir é se é liberalizado "o aborto voluntário, até às dez semanas”. É sobre isto que irei votar. Não deixarei que me ludibriem, mas o mesmo não se passará com grande quantidade de ingénuos úteis.

7 Comentários:

Blogger lobices escreveu...

...atrevo-me a fazer uma pergunta "disparatada":
...qual a diferença entre a pergunta que vai ser posta a referendo e a sua "proposta de texto"?

Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras dez semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?”
...
"Concorda com a interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras dez semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizada?”
...
...é que a sua "proposta" é muito mais tendenciosa para a tão falada liberalização que a proposta pelo Estado
...esta pergunta se concordamos com a despenalização (e não liberaliza porque não fala em interrupção)
...a sua pergunta diz taxativamente se concordamos com a interrupção (esta sim, esta liberaliza porque não fala de penalização nem de despenalização, fala somente de interrupção)
...
...esta sua "opção de pergunta" é muito mais tendenciosa para o liberar o aborto que a que o estado faz
...ou não será?
..."portuguesmente" falando?
...ou será defeito meu de leitura?
...aceito que possa ser porque, sinceramente, de política sou um zero zerinho à esquerda

10/30/2006 04:13:00 da tarde  
Blogger lobices escreveu...

...mais:
...considero que o texto ao referir "...por opção da mulher..."
é muito mais gravoso em termos éticos na medida em que exclui de imediato a opinião do pai do embrião
...imaginemos uma mulher que opta em abortar; e se o pai do embrião não quiser?
...

10/30/2006 04:16:00 da tarde  
Blogger Vítor Ramalho escreveu...

Caro lobices

Quando tiver oportunidade dê um grande beijo ao seu neto e agradeça a Deus ou a quem quiser pelo facto de os pais não terem pensado na liberalização ou despenalização do aborto.
Vejo também que defende os direitos dos animais, pena não ter a mesma atitude para com o ser indefeso.
Depois venha chamar hipócritas aos outros.

10/30/2006 05:02:00 da tarde  
Blogger lobices escreveu...

...caro Vitor Ramalho:
...fico grato por verificar que foi visitar a minha humilde casa para saber que defendo os direitos dos animais etc, etc.
...também defendo muitas outras coisas e o meu lema de vida foi, é e será sempre que "Amar é o caminho"
...por outro lado, a defesa da vida não impede que se discutam os temas que durante a nossa curta passagem por este Universo se nos deparem pela frente; é discutindo-os que o mundo pula e avança e não estagnando e tapando os olhos com uma peneira para não querermos ver os problemas
...o que estamos aqui a "debater" é a questão do Referendo sobre o aborto e tem sido sobre esse tema que eu me tenho pronunciado
...por isso agradeço imenso que não me julgue de imediato sem me conhecer e não tenha a presunção de saber que sabe o que eu sei eu o que eu não sei
...limito-me a exercer o direito à minha opinião e ela, apenas como opinião, até pode não ser consentânea com a acção, mas isso, ou seja a minha opinião, não faz de mim algo que não sou; daí que, ser a favor do sim ao referendo que aí se aproxima nada tem a ver com a defesa da vida; essa é outra "luta", uma luta diária com muitos engulhos pelo meio contra os quais temos de lutar com todas as nossas forças
...quanto à palavra "hipocrisia" que não me recordo de ter mencionado neste post mas que aceito possa estar escrita noutro contexto, por aí, em qulquer lado, ela, a palavra, significa "manifestação de virtudes ou sentimentos que realmente se não tem.
...se manifestar a virtude da caridade, por exemplo, e não a praticar, aí estarei a ser hipócrita; mas se a manifestar e a patricar não sou hipócrita
...manifestei, manifesto e sempre manifestarei a minha caminhada pela via do amor como uma entrega, uma dádiva e não um receber
...isto em nada impede o direito à opinião, sobre que assunto for
...um abraço

10/30/2006 05:29:00 da tarde  
Blogger lobices escreveu...

...rectificação:
e não tenha a presunção de saber que sabe o que eu sei e o que eu não sei

10/30/2006 05:31:00 da tarde  
Blogger o engenheiro escreveu...

ò lobices, tira o avental! e deixa-te de tretas

10/31/2006 03:36:00 da manhã  
Anonymous Anónimo escreveu...

Sim senhora..estes senhores dao licoes em como se deve proceder a um debate serio e intelectualmente honesto....

10/31/2006 08:23:00 da manhã  

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