Mais aborto?
(por Pedro Vaz Patto)
Saber se a vitória do "sim" no referendo de 11 de Fevereiro virá incrementar a prática do aborto é questão da maior importância. Se são actualmente elevados os números do aborto clandestino, importa que não se tornem ainda mais elevados os números globais do aborto (legal e clandestino). É que, por detrás destes números, por cada aborto, há uma vida que se perde, com a sua riqueza sempre inestimável, única e irrepetível.
Há quem raciocine como se tal hipótese não se coloque, como se se tratasse de tornar legal apenas aquilo que sempre se faria de forma clandestina. Mas tal raciocínio não resiste ao confronto com as regras lógicas que presidem a qualquer política legislativa. Quando se quer impedir a difusão de uma prática, não se facilita essa prática, não se coloca ao seu serviço os recursos do Estado. É claro que se o Estado passasse a fornecer droga a quem o solicite seja por que motivo for (é isso que se verifica num regime de aborto a pedido), seria de esperar um aumento acentuado do seu consumo.
A prática do aborto aumentará com a sua legalização e liberalização - como parece óbvio - se este se tornar mais fácil, acessível e gratuito. Mas esse aumento não deriva apenas desta razão pragmática. Há também uma razão cultural, de mentalidade.
À Lei está sempre associada uma opção no plano dos valores, um sinal quanto à proeminência desses valores, uma mensagem cultural. A Lei é para muitos uma referência e uma orientação. É mais importante esta sua função pedagógica, de prevenção geral positiva, do que a de prevenção geral negativa, de intimidação com a ameaça de imposição de sanções, pois a vigência e eficácia da Lei tem de assentar na sua autoridade moral, mais do que no medo ou na força física.
Se é verdade que a função de intimidação tem hoje, no que se refere ao aborto, escassa eficácia (dado o reduzido número de condenações), o mesmo não pode dizer-se da referida função pedagógica. Há que pensar não apenas nos casos em que a lei que proíbe o aborto é violada, mas também naqueles em que ela é espontaneamente cumprida. Há pessoas que deixam de abortar não tanto pelo medo das sanções, mas porque se guiam nas suas escolhas pela definição legal do aborto como uma conduta censurável que atenta contra o valor da vida humana. Se o aborto se torna legal e livre, se o Estado passa a colaborar na sua prática, assim o aprovando como se fosse um bem, tal mensagem cultural é invertida. Muitas das que hoje pensam duas (ou mais) vezes antes de abortar, deixarão certamente de pensar tantas vezes antes de o fazer.
Segundo estudos realizados nos Estados Unidos, confirmados por outros realizados em França e em Itália, uma percentagem elevada (cerca de 70 por cento) de mulheres que praticaram abortos legais declaram que não o teriam feito se o aborto não fosse legal (ver David Reardon, Aborted Women: Silent No More, Loyola University Press, Chicago, 1987). Recentemente, várias pessoas tiveram a oportunidade de ouvir o testemunho de algumas mulheres norte-americanas que se deslocaram a Portugal, da organização Justice Foundation (www.txjf.org ), que afirmaram ter abortado porque o aborto era legal quando em gravidezes igualmente problemáticas anteriores à legalização não haviam sequer considerado a hipótese de recorrer a essa prática. Quando a conduta passou a ser legal, passou a significar para elas, por isso, uma conduta moralmente aceitável e isenta de perigos para a sua saúde física e psíquica (pois se até o Estado e os médicos nela colaboram?).
Ouvi também recentemente a um correspondente de um jornal português na Rússia um comentário a este respeito, relativo à situação desse país, onde o número de abortos supera em muito o número de nascimentos. Isto explica-se porque durante muito tempo não havia acesso a outras formas de limitação dos nascimentos. Mas mesmo hoje, quando já estão amplamente difundidos outros meios de controlo da natalidade, tal impressionante situação mantém-se, porque o aborto se banalizou na mentalidade comum.
Nunca a liberalização do aborto permitiu torná-lo raro, ao contrário do que afirma a propaganda a seu favor (quando advoga o aborto legal, seguro e raro). Na Suécia, nos Estados Unidos, no Canadá e na Austrália, cerca de uma em cada quatro gravidezes termina em aborto. No Reino Unido, na Dinamarca, na Noruega, em França e na Itália, cerca de uma em cada cinco (ver www.johnstonarchive.net/policy/net).
Aborto raro? Até em países a que não faltam recursos económicos como estes, o aborto livre está muito longe de ser raro. São estes exemplos de "modernidade" que satisfazem os partidários da liberalização do aborto e que estes nos convidam a imitar?
Saber se a vitória do "sim" no referendo de 11 de Fevereiro virá incrementar a prática do aborto é questão da maior importância. Se são actualmente elevados os números do aborto clandestino, importa que não se tornem ainda mais elevados os números globais do aborto (legal e clandestino). É que, por detrás destes números, por cada aborto, há uma vida que se perde, com a sua riqueza sempre inestimável, única e irrepetível.
Há quem raciocine como se tal hipótese não se coloque, como se se tratasse de tornar legal apenas aquilo que sempre se faria de forma clandestina. Mas tal raciocínio não resiste ao confronto com as regras lógicas que presidem a qualquer política legislativa. Quando se quer impedir a difusão de uma prática, não se facilita essa prática, não se coloca ao seu serviço os recursos do Estado. É claro que se o Estado passasse a fornecer droga a quem o solicite seja por que motivo for (é isso que se verifica num regime de aborto a pedido), seria de esperar um aumento acentuado do seu consumo.
A prática do aborto aumentará com a sua legalização e liberalização - como parece óbvio - se este se tornar mais fácil, acessível e gratuito. Mas esse aumento não deriva apenas desta razão pragmática. Há também uma razão cultural, de mentalidade.
À Lei está sempre associada uma opção no plano dos valores, um sinal quanto à proeminência desses valores, uma mensagem cultural. A Lei é para muitos uma referência e uma orientação. É mais importante esta sua função pedagógica, de prevenção geral positiva, do que a de prevenção geral negativa, de intimidação com a ameaça de imposição de sanções, pois a vigência e eficácia da Lei tem de assentar na sua autoridade moral, mais do que no medo ou na força física.
Se é verdade que a função de intimidação tem hoje, no que se refere ao aborto, escassa eficácia (dado o reduzido número de condenações), o mesmo não pode dizer-se da referida função pedagógica. Há que pensar não apenas nos casos em que a lei que proíbe o aborto é violada, mas também naqueles em que ela é espontaneamente cumprida. Há pessoas que deixam de abortar não tanto pelo medo das sanções, mas porque se guiam nas suas escolhas pela definição legal do aborto como uma conduta censurável que atenta contra o valor da vida humana. Se o aborto se torna legal e livre, se o Estado passa a colaborar na sua prática, assim o aprovando como se fosse um bem, tal mensagem cultural é invertida. Muitas das que hoje pensam duas (ou mais) vezes antes de abortar, deixarão certamente de pensar tantas vezes antes de o fazer.
Segundo estudos realizados nos Estados Unidos, confirmados por outros realizados em França e em Itália, uma percentagem elevada (cerca de 70 por cento) de mulheres que praticaram abortos legais declaram que não o teriam feito se o aborto não fosse legal (ver David Reardon, Aborted Women: Silent No More, Loyola University Press, Chicago, 1987). Recentemente, várias pessoas tiveram a oportunidade de ouvir o testemunho de algumas mulheres norte-americanas que se deslocaram a Portugal, da organização Justice Foundation (www.txjf.org ), que afirmaram ter abortado porque o aborto era legal quando em gravidezes igualmente problemáticas anteriores à legalização não haviam sequer considerado a hipótese de recorrer a essa prática. Quando a conduta passou a ser legal, passou a significar para elas, por isso, uma conduta moralmente aceitável e isenta de perigos para a sua saúde física e psíquica (pois se até o Estado e os médicos nela colaboram?).
Ouvi também recentemente a um correspondente de um jornal português na Rússia um comentário a este respeito, relativo à situação desse país, onde o número de abortos supera em muito o número de nascimentos. Isto explica-se porque durante muito tempo não havia acesso a outras formas de limitação dos nascimentos. Mas mesmo hoje, quando já estão amplamente difundidos outros meios de controlo da natalidade, tal impressionante situação mantém-se, porque o aborto se banalizou na mentalidade comum.
Nunca a liberalização do aborto permitiu torná-lo raro, ao contrário do que afirma a propaganda a seu favor (quando advoga o aborto legal, seguro e raro). Na Suécia, nos Estados Unidos, no Canadá e na Austrália, cerca de uma em cada quatro gravidezes termina em aborto. No Reino Unido, na Dinamarca, na Noruega, em França e na Itália, cerca de uma em cada cinco (ver www.johnstonarchive.net/policy/net).
Aborto raro? Até em países a que não faltam recursos económicos como estes, o aborto livre está muito longe de ser raro. São estes exemplos de "modernidade" que satisfazem os partidários da liberalização do aborto e que estes nos convidam a imitar?
5 Comentários:
Em prol de um debate esclarecido, gostaria de recomendar um blog, que faz uma abordagem ao referendo ligeiramente diferente da que nos fomos acostumando:
http://blogdefrente.blogspot.com/
Melhores Cumprimentos,
David Sanguinetti
Eu votarei Sim, SE E SÓ SE, me derem algum tipo de garantia que o aborto não vai aumentar.
Para mim chega a palavra do Sócrates, SE E SÓ SE for acompanhada de um aumento do dinheiro investido na educação sexual nas escolas*.
Nas escolas devia ser disciplina obrigatório no final do ensino básico (7,8,9º ano). E vou mais longe acho que devia contar para chumbo do ano juntamente com a matemática e o português.
O aborto não devia existir, pode-se legalizar o aborto, mas antes faça-se tudo para garantir que as pessoas não o fazem por ignorância e ou falta de responsabilidade.
* Atenção que não falei em esclarecer os adultos pois creio que estes vão abortar independentemente do resultado do referendo.
Nota:
Esta opinião foi formada em parte com base num estudo sobre as razões que levam as mulheres que abortam a engravidar.
Segundo esse estudo em 46% dos abortos, durante as relações não foi utilizado contraceptivo.
Dou-vos os meus parabéns, pela vossa posição e activismo pelo não.
A protecção da vida humana deve estar acima de todos os valores, ninguém deve ter o poder de acabar com outra vida.
A protecção de uma vida, ainda por cima sem qualquer hipótese de se poder defender deve ser punida por lei. A pena para esses/essas homicidas prevista na lei actual é ridícula, afinal trata-se de um assassinato pré meditado a que deveria corresponder a pena máxima prevista na lei – 25 anos de cadeia. Nem nos casos de mal formação deveria ser permitido o aborto ou então teríamos de permitir o assassinato dos deficientes que existem em Portugal. O único caso em que se devia permitir o aborto é caso de risco de vida para a mãe, porque se trata de um caso de legitima defesa.
Eu nunca irei votar seja no que for baseada em exigências de garantias que ninguém no seu estado normal me poderá dar.
Votarei SIM apenas pk sou a favor da vida...
Masssss... uma vida com alguma qualidade.
Tudo o que for além disso é tormento... e não concebo a vida num tormento.
Abortos sempre serão feitos quer a lei seja aprovada quer não... Se eu precisar de fazer um aborto nem sequer preciso da nossa lei... apenas preciso de me fazer À estrada e ir passar uns dias a Espanha, e assim como eu algumas outras mulheres com alguma indepêndencia financeira... Mas pergunto eu: E as outras?
Acham que o "Não" vai fazer com que as mulheres deixem de abortar?
Tolice!
Acho graça à hipocrisia de um sociedade que defende que a partir da fecundação existe uma vida em jogo... pergunto então: Então, se é uma vida que está em jogo pk permite a lei um aborto, quando um feto tem problemas...de doença grave ou malformação congénita, deixa de ser uma vida por ser deficiente?
Não respira uma criança com trissomia 21?
Ou será que uma criança com o sindrome de dawn não merece ver a luz do sol?
Acho que os moralistas ou o devem ser a 100% por cento ou então é preferivel que se resumam ao silêncio.
Porque mais uma vez pergunto: Quem vos deu permissão para serdes Deuses da vida?
Se a vida de um feto é vida numa criança dita normal tb o é numa criança com problemas.
Eu posso aceitar o Não vindo de uma pessoa que o assume com todas as consequências... Com ou sem deficiências. Será que os que apoiam o Não são tão hipócritas a ponto de defender o Ñão ao aborto de uma criança dita normal... mas o sim ao aborto de uma criança com limitações?
Porraaaa entendam-se que eu começo a ficar confusa com tanta contradição.
Voto SIMMMMMMMM
SIM... a favor de uma qualidade de vida.
Cara Ana,
O motivo pelo qual comentarei o seu comentário é tão somente para não vir cá alguém e achar: "Pois é! Ela tem razão!".
Na verdade, não. Ela não tem razão. E parece-me também que tem andado bastante distraída aos debates.
«Votarei SIM apenas pk sou a favor da vida...
Masssss... uma vida com alguma qualidade.»
Esta deixou-me confuso. O que é vida de qualidade para si? Haverá maior alegria do que ter um filho, e saber: "Este está por minha conta. É o meu filho.".
Isto sim: é verdadeira qualidade de vida!
Ora, se os andam a fazer ao desbarato, e depois querem-nos matar, isso é lá com a má consciência de cada um. Mas num hospital público? Com recurso ao dinheiro dos nossos impostos? Não, obrigado. Fizeram-nos, responsabilizem-se.
«Acho que os moralistas ou o devem ser a 100% por cento ou então é preferivel que se resumam ao silêncio.»
Pois. Tem andado distraída.
«Porraaaa entendam-se que eu começo a ficar confusa com tanta contradição.»
Há vários "não", mas todos os "não" são directamente relacionados com a pergunta que nos é feita!
Para terminar, gostaria de salientar um pequeno pormenor. Com tanta informação que tem sido debitada, é de espantar que ainda haja gente que se deixe confundir.
Recomendo-lhe este blog:
blogdefrente.blogspot.com
Tem lá desenhinhos.
Melhores Cumprimentos,
David Sanguinetti
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